Título: Os piratas das ruas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2006, Notas e Informações, p. A3

O lançamento mundial para usuários finais do sistema operacional Windows Vista, do pacote corporativo Office 2007 e do aplicativo para e-mails Exchange Server, da Microsoft, está marcado para o dia 30 de janeiro. Mas, na Rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, esses produtos já estão à venda em muitas das barracas de camelôs, a preços que variam entre R$ 10,00 e R$ 20,00. O preço definido pela empresa para o Windows Vista varia entre US$ 199 e US$ 399, nos Estados Unidos.

Há dias, Mouse, apelido de um dos ambulantes que comercializam cópias piratas dos softwares, tentou vender um dos aplicativos para o diretor mundial de Propriedade Intelectual da Microsoft, Keith Beeman - como mostrava reportagem de Adriana Carranca no Caderno Metrópole de quarta-feira. O executivo veio a São Paulo para um encontro com autoridades de países que compõem o Bric, grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China - nações onde a falsificação ameaça seriamente a indústria do software.

O mercado brasileiro de tecnologia da informação (TI) poderia movimentar US$ 17 bilhões dentro de quatro anos se o índice de pirataria de software fosse reduzido em 10% (hoje, o mercado movimenta US$ 11 bilhões). Com a redução poderiam ser criados 112 mil postos de trabalho no setor e a arrecadação adicional atingiria US$ 2 bilhões em impostos, a partir de 2009. A média mundial de consumo de softwares piratas é de 35%. No Brasil, 64% das tecnologias comercializadas são cópias piratas, o que representa perdas de US$ 766 milhões por ano ao País.

Dados do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade, do Ministério da Justiça, revelam relação preocupante nas questões trabalhistas provocada pela pirataria: para cada brasileiro que trabalha ilegalmente no setor, como o ambulante Mouse, há entre 6 e 10 profissionais que ficam sem empregos por conta dos prejuízos causados pela pirataria - um custo social que rebate qualquer argumento de que é preciso tolerância em relação aos ambulantes porque são vítimas do mercado de trabalho restrito e têm de sobreviver. Eles e todos os demais que atuam na rede de pirataria são responsáveis, em boa parte, pelos altos níveis de desemprego no País.

Keith Beeman se espantou com a facilidade para Mouse e seus companheiros atuarem na Rua Santa Ifigênia, onde, por trás de barracas improvisadas de papelão, oferecem os aplicativos em versões variadas e, conforme o pedido dos clientes, embrenham-se entre bancas e portinholas para buscar o produto. Espantou-se porque ele sabe que a legislação brasileira de proteção intelectual é uma das mais avançadas do mundo.

O que ele não sabia é que essa lei não é cumprida - como tantas outras no Brasil. Em abril, ao conhecer a decisão do governo americano de manter o Brasil na 'lista de observação prioritária', o Ministério das Relações Exteriores divulgou nota argumentando que a legislação evoluiu muito nos últimos anos. Faltou garantir que o governo iria impor o respeito à lei.

Entre janeiro e novembro, 2 milhões de CDs e DVDs piratas foram recolhidos nas ruas da cidade de São Paulo, 30% mais do que em 2005. A maior eficiência da repressão foi resultado de iniciativas que se intensificaram na gestão Marta Suplicy, com a criação da força-tarefa que uniu a Prefeitura e o Estado em operações conjuntas no combate à pirataria.

Em outubro, o prefeito Gilberto Kassab regulamentou lei que estabelece a cassação do auto de licença de funcionamento de lojistas que estocarem mercadorias irregulares e do Termo de Permissão de Uso (TPU) dos ambulantes que venderem esse tipo de produto. Foi acompanhado por iniciativa idêntica do governo estadual. Conforme levantamento do Departamento de Investigação Sobre o Crime Organizado (Deic), 50% das mercadorias recentemente apreendidas em blitze na cidade foram encontradas em estabelecimentos com alvará de funcionamento regularizado.

É preciso, agora, manter em operação constante a força-tarefa, que reúne fiscais do Departamento de Controle e Uso do Solo, Policiais Federais, Guarda Civil Metropolitana, agentes da Receita Federal e da Secretaria da Fazenda, para efetivamente fechar as portas dos estabelecimentos que servem de depósitos para onde Mouse e os outros centenas de ambulantes correm em busca da mercadoria procurada pelos fregueses.