Título: Funções do CNJ viram caso judicial
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2006, Nacional, p. A12
Uma grande polêmica tomou os meios jurídicos durante a semana: o que podem e o que não podem fazer o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)? Trazer de volta o direito às férias coletivas, proibidas pela Constituição, por exemplo, está dentro de suas prerrogativas? E alterar salários, com o pagamento de jetons, medida igualmente inconstitucional?
Jurídicas ou não, essas duas iniciativas foram anunciadas pelos conselhos. O CNJ chegou a pedir um jetom para suas reuniões, que elevaria os salários de seus membros para algo próximo dos R$ 30 mil. E o CNMP 'autorizou' por resolução as férias coletivas de seus funcionários. A primeira medida foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal e a segunda deve cair na sexta-feira.
Os dois episódios surpreenderam e dividiram advogados, juízes, desembargadores e procuradores do Ministério Público. Por trás de tudo há, na verdade, uma guerra de palavras - qual o exato significado, por exemplo, de 'zelar pela autonomia' de um poder? Isso inclui, por exemplo, adotar medidas de controle, ou correção? E estas não invadem a autonomia? E até onde se pode ir no 'controle da atuação administrativa e financeira' de uma instituição?
Os dois conselhos foram criados pela emenda constitucional 45 - o outro nome da reforma do Judiciário - no fim de 2004. O CNJ, implantado em junho de 2005, já na sua origem apresentou uma primeira contradição: o que deveria ser um controle externo desapareceu, pois entre os 15 indicados apenas dois são de fora da estrutura jurídica oficial - no caso, um jurista indicado pelo Senado e outro pela Câmara. Eles constituem apenas 13,3% dos votos, contra 13 autoridades dos tribunais superiores, dos tribunais de Justiça e do Ministério Público.
A competência dos conselhos - o seu limite de poder - é definida no parágrafo 4.º do art. 103B da Constituição Federal. Diz esse parágrafo que 'compete ao conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes'. Seguem-se sete incisos, entre os quais o I, 'zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura'.
O inciso II manda 'zelar pela observância do art. 37' da Constituição - e esse é um dos focos centrais da discussão. O artigo 37 afirma de início que a administração pública 'obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência', e em dois incisos fala de salários. No inciso X, que 'a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o parágrafo 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica'. No inciso XI se determina que 'a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal'.
A partir desses textos, o jurista Miguel Reale Jr. ressalta: 'Quando a Constituição define qualquer coisa não há probabilidade de se alterar seu conteúdo numa resolução, portaria ou outro meio que não seja uma emenda à Constituição.' O jurista rebate, da mes ma forma, a iniciativa de se autorizar de novo as férias coletivas da corporação: 'Também essa decisão contraria o art. 93 da Constituição e não faz sentido ignorar o que ali está disposto.'
Reale Jr. lembra que o CNJ 'teve um papel importante na determinação do cumprimento da lei' em seus primeiros passos. Por exemplo, ao passar a resolução que fortaleceu a norma já existente, de 1996, que proibia o nepotismo. 'Ali o conselho funcionou bem, assim como em várias outras medidas sobre a administração da Justiça', mas na questão das férias e dos salários, 'uma resolução não pode alterar uma norma constitucional'. ' Assim, aquelas decisões nada valem.'