Título: Grupo de Chávez tem de seguir cartilha
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2006, Internacional, p. A24
Personalista e centralizador, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, reeleito no domingo passado, distribui as atribuições-chave de seu regime entre 'camaradas' comprometidos com a implementação de seu programa revolucionário, redigido pouco antes da fracassada tentativa de golpe militar de 4 de fevereiro de 1992 contra o então presidente Carlos Andrés Pérez. Esse programa, o Projeto Nacional Simón Bolívar, prevê a instauração de um regime revolucionário cívico-militar, ao fim do qual se instalaria na Venezuela um modelo parecido com o cubano, segundo o analista venezuelano Alberto Garrido.
O grupo de 'homens de Chávez' se divide entre seguidores históricos, que estiveram presentes no apoio, planejamento e execução do golpe de 1992; assessores políticos, que asseguram e legitimam as ações de seu governo; e comandantes militares, que foram incorporados após outro golpe fracassado - desta vez, contra ele -, em 2002, e lhe garantem o respaldo de, pelo menos, a maior parte das Forças Armadas. Todos teoricamente comprometidos com o projeto bolivariano.
'No chavismo não há espaço para vozes dissonantes. Todas as decisões são tomadas de acordo com o documento redigido por Chávez e seus seguidores antes da intentona de 1992', explica Garrido. A autonomia nos círculos chavistas é limitada e a hierarquia, militar. Não por acaso, militares ocupam os postos-chave do governo.
No novo mandato, que se inicia em 15 de janeiro, no entanto, alguns desses assessores chavistas devem ser expurgados do governo. Chávez está irritado com casos de corrupção, burocracia e ineficiência, que têm atrasado o cronograma de consolidação da sua revolução bolivariana - apesar do alto preço internacional do petróleo.
Só neste ano, a receita do petróleo venezuelano deve chegar a US$ 60 bilhões, mas os indicadores sociais - população que vive abaixo do nível de pobreza, concentração de renda, criminalidade, desemprego, etc. - não apresentaram uma evolução significativa. Por outro lado, o que se viu nos oito primeiros anos de Chávez no poder, dizem analistas venezuelanos, foi o surgimento de um grupo que ficou conhecido como 'boliburguesia'. São funcionários graduados, militares de alta patente e executivos da estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), que construíram fortunas desde a chegada de Chávez ao poder, em 1999.
'Chávez já anunciou que pretende institucionalizar a redução das divergências entre as forças que o apóiam, com a fusão de todos os grupos políticos de sustentação do governo no partido governista majoritário (o Movimento V República, MVR)', diz a socióloga venezuelana Maryclen Stelling. 'Como a oposição se retirou das eleições legislativas do ano passado, isso levaria a Assembléia Nacional a atuar sob um único partido.'
Em Caracas, seguidores do MVR comentam que novos focos de corrupção foram detectados pelo presidente nas últimas semanas. Esses casos envolveriam pessoal de escalão mediano de estatais e instituições públicas, mas que estariam agindo beneficiados pela proteção ou omissão de 'caciques' do chavismo. A campanha eleitoral impediu que os casos viessem à tona e se convertessem em escândalos.
O primeiro expurgo chavista ocorreu depois da conspiração de abril de 2002, que tirou Chávez do poder por menos de 48 horas. A vítima mais conhecida foi Luis Miquilena, um dos mentores políticos do presidente, e uma figura que dividia o movimento chavista por causa de seu histórico de político 'tradicional' e um dos signatários do Pacto de Punto Fijo - que praticamente varreu as pequenas organizações esquerdistas da cena política venezuelana após a queda do ditador Marcos Pérez Jiménez, em 1958, e deu início à fase do bipartidarismo entre os social-democratas da Ação Democrática (AD) e os democrata-cristãos do partido Copei.
Miquilena, horas depois da prisão de Chávez no Palácio de Miraflores em 2002, emitiu declarações que davam apoio tácito ao movimento golpista. Até 2001, ele era considerado o segundo homem do regime. Foi presidente da Assembléia Constituinte que elaborou a atual Carta e ministro de Interior e Justiça. Hoje, está retirado da vida política.
O complô que quase depôs Chávez em 2002 obrigou o presidente a agir para reforçar seu apoio nos quartéis. Então comandante do Exército, o general Lucas Rincón fez um pronunciamento pela TV em 11 de abril de 2002 para anunciar que Chávez havia renunciado - algo que, depois, o presidente desmentiria. Após o retorno a Miraflores, Chávez nomeou Rincón para o Ministério do Interior, onde ficou até 2004.
Também vem do golpe fracassado de 2002 o ingresso do general Raúl Baduel nos círculos mais elevados do regime chavista. Comandante de um grupamento de pára-quedistas, Baduel se recusou a reconhecer a legitimidade de Pedro Carmona - que se instalou no Miraflores após o golpe - como presidente e convocou a população a resistir à instalação do governo de facto. Reconduzido à presidência, Chávez recompensou Baduel, primeiro elevando-o ao comando-geral do Exército e, depois, nomeando-o ministro da Defesa.
Da tentativa golpista de 1992, vêm militares e ativistas de esquerda que hoje formam o grupo de seguidores 'históricos' do chavismo. Os esquerdistas Alí Rodríguez, hoje embaixador em Havana, e José Vicente Rangel, vice-presidente, são chavistas de primeira hora.
O embaixador na ONU, Francisco Arias Cárdenas; o governador de Miranda, Diosdado Cabello; o deputado Francisco Ameliach, e o ministro do Interior, Jesse Chacón, participaram ativamente da conspiração contra Andrés Pérez.
William Lara, que foi presidente da Assembléia Nacional, e o deputado Tarek William Saab são os encarregados de dar legalidade às medidas do governo chavista.