Título: Receita Federal reage às 'bondades' do governo
Autor: Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2006, Economia, p. B4

A Receita Federal está cada vez mais descontente com a forma como vem sendo conduzida a elaboração das medidas de cortes de tributos que serão incluídas no pacote para o crescimento. Responsável pela avaliação técnica das propostas em estudo pela equipe econômica, a Receita tem perdido voz nas discussões na gestão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e reclama nos bastidores da falta de medidas do lado de controles de gastos.

Uma das preocupações tem sido com a estratégia considerada anárquica de decisão da política de desoneração tributária. O maior temor é com o risco do aumento das pressões para a concessão de mais incentivos para setores específicos, com grande poder de lobby no governo e no Congresso.

Para a área técnica da Receita, as isenções tributárias concedidas até agora e aquelas em estudo, principalmente do PIS e da Cofins, aumentam a complexidade do sistema e tornam mais difícil a fiscalização dos tributos. As exceções incluídas nas normas da Cofins e do PIS são tantas - e novas exceções já foram anunciadas pelo governo - que é corrente ouvir a avaliação entre os técnicos da Receita, até mesmo os da área de inteligência, que as duas contribuições ficaram 'infiscalizáveis'.

A decisão do governo de aceitar uma nova correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ampliou o descontentamento. Depois das últimas correções da tabela (8% em 2006, 10% em 2005 e o desconto de R$ 100,00 na base de cálculo em 2004), a Receita não contava com um novo reajuste em 2007, mesmo que apenas os 3% assegurados por Mantega. Na avaliação do comando do órgão, reajustes sucessivos da tabela abrem espaço para uma indexação indesejável e sem grandes benefícios para a população em geral, já que apenas pouco mais de 6% da população economicamente ativa paga IR.

Há três semanas, o número dois da Receita, o secretário-adjunto Ricardo Pinheiro, classificou a correção de uma medida para 'privilegiados'. Na ocasião, ele não escondeu o descontentamento, cobrou responsabilidade fiscal e disse com todas as letras que desonerações não lineares e setoriais podem provocar distorções econômicas. O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, também criticou, na semana passada, o aumento da complexidade do sistema tributário, afirmando que até o Simples (sistema simplificado de pagamento de impostos), que era para ser simples, como diz o nome, ficou complexo com as novas mudanças.

'As decisões sobre desonerações estão mais políticas e populistas, e menos técnicas', avaliou uma fonte da Receita. Para outra fonte do Ministério da Fazenda, está faltando alguém que assuma, com respaldo político e poder de influência, o papel de dizer não. 'Sumiu o doutor No! Isso é muito perigoso para as contas públicas', disse, numa referência ao apelido atribuído ao ex-secretário-executivo do Ministério, Murilo Portugal, pelo rigor no controle das contas públicas.

Na avaliação do ex-secretário da Receita, Everardo Maciel, algumas medidas de desoneração pontuais adotadas pelo governo têm sido feiras com base em 'fundamentação irresponsável', contribuindo para reforçar o que classificou de 'espírito intervencionista'. Ele criticou até mesmo as medidas de desoneração do IR para as aplicações em títulos públicos de longo prazo e também as que estão em estudo para desonerar o imposto das aplicações em fundos de infra-estrutura. 'Ofendem o princípio básico da neutralidade. As desonerações não devem servir para promover distorções alocativas na economia', criticou ele, que por oito anos comandou a Receita, quando ganhou a fama de ter 'sanha arrecadatória'.

Para Maciel, o melhor caminho para a desoneração é um corte linear nas alíquotas, principalmente do PIS e da Cofins. 'O governo deveria não tentar fazer política de desoneração além dos domínios da Receita. A todo dia chega um desavisado e diz que a Receita tem de fazer isso. O parâmetro geral tem de ser dado pelo governo e o resto é deve-se deixar para profissionais, não amadores.'

Segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Carlos André Nogueira, não há estratégia na política de desoneração do governo. 'É preciso primeiro definir qual o modelo e depois qual a maneira de fazê-lo', afirmou. Na sua avaliação, o governo tem aprofundado as distorções do sistema tributário com o aumento da 'regressividade' (quem ganha menos paga mais) via expansão da tributação sobre o consumo, como IPI, PIS, Cofins e CPMF.

Publicação lançada, semana passada, pelo Unafisco '10 anos de Derrama: a distribuição da carga tributária no Brasil' calcula que dois terços da carga tributária do País - 67% - recaem sobre o consumo (bens e serviços). Pelos cálculos do Unafisco, a tributação sobre o consumo cresceu 110% em termos reais (acima da inflação pelo IPCA) nos últimos 10 anos.