Título: Outro ex-agente da KGB é contaminado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2006, Internacional, p. A28

A trama russa que tem como protagonista o ex-espião russo Alexander Litvinenko - morto no dia 23 após ser envenenado por polônio-210 - deixou ontem mais uma vítima contaminada: Andrei Lugovoi, empresário e ex-agente da KGB. Personagem-chave no caso, Lugovoi encontrou-se com Litvinenko num hotel em Londres em 1º de novembro, dia em que ele começou a passar mal.

Exames de Lugovoi, de 41 anos, mostraram o mal funcionamento de alguns órgãos, aparentemente causado por substância radioativa, segundo fontes médicas não identificadas ouvidas pela agência de notícias russa Interfax. À tarde, a mesma agência divulgou entrevista com Lugovoi, dizendo estar bem. ¿Meu estado é satisfatório. Os resultados dos exames sairão, na melhor das hipóteses, no fim da semana que vem¿, disse Lugovoi. ¿É meu direito pessoal tornar públicos ou não os resultados quando estiverem disponíveis¿, acrescentou.

Na entrevista, Lugovoi negou ter sido interrogado ontem. O depoimento dele vem sendo esperado desde terça-feira - um dia após a equipe britânica chegar a Moscou - e adiado desde então. Não se sabe ainda se ele seria entrevistado como vítima ou potencial suspeito. Um dia após a morte de Litvinenko, Lugovoi convocou uma entrevista coletiva em Moscou para declarar sua inocência e oferecer ajuda à Scotland Yard.

Descendente de uma tradicional família de militares, Lugovoi formou-se numa academia militar soviética de elite em 1987 e foi recrutado pelo Kremlin para integrar uma unidade de escolta policial da KGB, o serviço secreto soviético. Em 1992, com o fim da KGB, ele foi transferido para o Serviço de Proteção Federal, encarregado da segurança de políticos e altos funcionários do Estado. Lugovoi nunca foi treinado em serviço de espionagem ou operações ofensivas e - fez de tudo para deixar claro nos últimos dias - nunca serviu à sucessora da KGB, a FSB ¿nem mesmo por um único dia¿.

Oficialmente, Lugovoi deixou de trabalhar para o Estado russo em 1996, quando juntou-se à ORT, emissora de TV que, na época, pertencia ao magnata russo Boris Berezovski, agora asilado em Londres - e outra peça-chave no caso. Atualmente, Lugovoi demonstra ser um empresário bem-sucedido, que vive nos subúrbios de Moscou com a mulher e três filhos. Sua empresa, a Pershin, controla negócios rentáveis, incluindo uma consultoria de segurança e uma fábricante de refrigerantes com 500 funcionários.

Foi por causa desses negócios, garante Lugovoi, que ele teve este ano 13 reuniões em Londres com Litvinenko. ¿Ele se ofereceu para me pôr em contato com importantes empresas britânicas¿, afirmou. No último encontro, justamente no dia em que Litvinenko começou a passar mal, eles estiveram no bar do hotel Millennium, no centro de Londres, junto com outros dois empresários russos e também ex-agentes da KGB: Dmitri Kovtun e Viacheslav Sokolenko.

Dmitri Kovtun foi um dos primeiros interrogados no caso, na terça-feira, e está no hospital desde anteontem. As informações sobre seu estado de saúde são desencontradas. A procuradoria-geral russa em Moscou afirmou anteontem que ¿Kovtun desenvolveu uma doença também ligada a substância radioativa¿. A agência Interfax, citando fontes anônimas, divulgou anteontem que ele estava em coma, versão que o advogado de Lugovoi negou, dizendo ter conversado com parentes de Kovtun.

Na noite de ontem, a Interfax citou uma fonte dizendo que Kovtun teria recobrado a consciência, mas estaria ainda em condições sérias, com danos de radiação em seus intestinos e rins, e que Lugovoi estaria em condições muito melhores que Kovtun, mas também mostrando sinais de contaminação.

A investigação encontrou traços de radiação no percurso de Kovtun e Lugovoi: no estádio do Arsenal e no bar do hotel Millennium (sete funcionários também tiveram radiação detectada em exames), em Londres; e na embaixada britânica em Moscou. Ontem, a polícia alemã achou indicações de radiação num flat em Hamburgo, onde Kovtun se hospedou. Será examinada também a TV Russian Today, onde Lugovoi esteve no dia 24. O serviço sanitário russo disse ontem que quem temer ter sido contaminado pode fazer exames em dois hospitais em Moscou. REUTERS, AP E GUARDIAN

ONDE HÁ POLÔNIO-210

Natureza - Encontrado em quantidades baixas no corpo humano e em minérios de urânio e tório na crosta terrestre.

Cigarro - Concentra-se nas folhas de tabaco; no ato de fumar, 20% do polônio presente no cigarro se volatiza e é inalado.

Objetos - É usado contra eletricidade estática em ventiladores e escovas para remover pó de filmes, lentes e balanças de laboratório.

Nave espacial - Nos anos 70, foi usado pela URSS para aquecer o veículo lunar Lunokhod à noite.

Bombas nucleares - Usado como gatilho de explosão em antigas armas, como a bomba Fat Man jogada em Nagasaki, em 1945.