Título: Recuo alentador
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2006, Notas e Informações, p. A3
Na questão da remuneração e dos reajustes de ganhos de pessoas situadas nas posições mais elevadas, nos Poderes de Estado, o núcleo do problema não está no mérito da reivindicação pela qualificação do servidor, no valor do serviço segundo os parâmetros do mercado e, muito menos, na legalidade dos critérios de fixação de vencimentos e de sua respectiva correção, em razão da eventual desvalorização da moeda. Tais variáveis dizem respeito à remuneração do trabalho em geral, nas esferas pública e privada de atividades, mas para os situados em altos postos dos Poderes há um componente essencial a prevalecer, que é a pura e simples sensibilidade pública.
É a sensibilidade que deve haver em relação à situação geral das contas públicas, à necessidade de contenção de gastos em momentos críticos e, enfim, à capacidade de a sociedade suportar o peso da máquina do Estado. E releva também considerar que no alto serviço público - nos três Poderes - há sempre regalias (gastos por conta do Erário, fora dos vencimentos), além de uma capacidade de articular ou impor a própria remuneração (no Legislativo e no Judiciário) de que não são contemplados os comuns dos mortais dos patamares ou esferas ¿inferiores¿ de atividade.
Foi notória a inconveniência da iniciativa da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Ellen Gracie, de marcar encontro com a Mesa e lideranças da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (reunião esta em boa hora cancelada), tendo em vista argumentar em favor da aprovação de alguns projetos ¿de interesse do Judiciário¿, entre os quais o do reajuste dos vencimentos dos ministros do STF, de R$ 24,5 mil para R$ 25,7 mil, e o do estabelecimento de jetons para os que acumulam as funções no CNJ com outras atribuições no Judiciário. Com esse jetom, em razão de duas reuniões mensais, os ganhos da própria ministra se elevariam de R$ 24,5 mil para R$ 30,3 mil e os dos outros 14 membros do CNJ, de R$ 23,2 mil para R$ 28,8 mil.
O pior, no entanto, é que o reajuste da remuneração dos 11 ministros do STF significa a elevação de teto para todos os servidores públicos, de quaisquer Poderes ou esferas de administração, o que gera um efeito em cascata de aumento de ganhos do funcionalismo e, em conseqüência, de gastos em toda a máquina pública do País, no período em que se torna urgente a redução do peso dessa máquina, como condição prévia à possibilidade de diminuição da carga tributária, atração de investimentos produtivos, melhoria dos índices econômicos e níveis de emprego.
Oportuna a observação do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a respeito do assunto: ¿Não sou a favor do aumento. Acredito que se precise de uma justificação muito forte para esse aumento.¿ E qual seria a justificação muito forte que a ministra Gracie encontraria para esse aumento? Da mesma forma se posicionou, contra o aumento, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, especialmente preocupado com o efeito ¿cascata¿. Diante dessa reação, a ministra Gracie pediu cancelamento da reunião na Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, Aldo Rebelo, retirou da pauta de votação o projeto de aumento para os integrantes do Supremo e o de jetom para membros do Conselho Nacional de Justiça. Prevaleceu o bom senso; a democracia funcionou.
Em meio à desgastante repercussão, para a imagem do Judiciário, de toda essa discussão sobre aumento de ganhos, vem o anúncio de que o CNJ dará informações sobre o número de desembargadores e servidores do Poder Judiciário que ganham supersalários - ou seja, remuneração acima do teto do funcionalismo. A presidente Ellen Gracie não pretende revelar os nomes desses felizardos, mas apenas comunicar aos presidentes dos tribunais, que proporcionam essa ¿liberalidade¿ com o dinheiro público, a necessidade de se adequarem aos limites do ¿teto¿. Mas o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço, entidade que representa cerca de 16 mil juízes, discorda desse ¿sigilo¿, afirmando que ¿a divulgação (dos nomes) será positiva para o Judiciário¿. Concordamos com ele. A sociedade brasileira tem todo o direito de saber por que e por quem deve arcar com tão elevados custos, sustentados com parcela tão alta de seu esforço de trabalho.