Título: Um moderado no Equador?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2006, Notas e Informações, p. A3

Para boa parte dos observadores, a vitória de Rafael Correa nas eleições presidenciais do Equador só surpreendeu pelo tamanho da derrota que o eleitorado infligiu a Álvaro Noboa, que saíra à frente no primeiro turno. Na verdade, o pleito se decidiu a partir do momento em que Noboa, um milionário plantador de bananas que disputava a presidência pela terceira vez, começou a exibir um comportamento extravagante ¿ como ajoelhar-se nos comícios, sempre com uma Bíblia nas mãos, e chorar, pedindo votos. Enquanto isso, Rafael Correa amenizava o discurso radical que adotara no primeiro turno, passando a se apresentar como um social-democrata que pretende reformar o país, mas sem afrontar as instituições.

Os equatorianos queriam um programa que acenasse com a possibilidade de superação de uma longa crise política ¿ na última década, três presidentes não terminaram seus mandatos ¿ e de uma crise econômica que tem produzido devastadores efeitos sociais ¿ 60% da população vive abaixo da linha de pobreza e o desemprego atinge mais de metade da população ativa. E foi isso o que Correa prometeu fazer.

Nos comícios, Álvaro Noboa apresentava seu adversário como ¿um esquerdista radical, comunista e amigo de Hugo Chávez¿. Mas Rafael Correa, especialmente na campanha do segundo turno, dizia identificar-se com a corrente moderada que, na região, é representada por Lula, Kirchner, Tabaré Vázquez e Michelle Bachelet.

E isso não deixa de ser verdade ¿ na festa comemorativa de sua vitória, por exemplo, Correa declarou que ¿o presidente Chávez é meu amigo, meu amigo pessoal, mas os meus amigos não mandam na minha casa. No Equador, serão os equatorianos¿ ¿ mas não é a verdade completa. Correa, além de ser um típico político ¿anti-sistêmico¿, que faz política atuando contra o sistema político que despreza, é também um ¿refundador¿ e, como Hugo Chávez e Evo Morales, pretende fazer profundas mudanças institucionais.

¿Anti-sistêmico¿ ¿ embora tenha sido ministro da Economia durante pouco mais de três meses ¿, fundou seu próprio partido. E, no primeiro turno, para não participar de uma instituição que considerava ilegítima e não representativa ¿ e que deveria ser desmantelada, dizia ele ¿, não apresentou candidatos ao Congresso. No segundo turno, Correa mudou de idéia sobre o destino que preconizava para o Congresso, mas as eleições parlamentares estavam encerradas.

Com isso, ele terá grandes dificuldades para aprovar o seu projeto mais ambicioso: a convocação de uma Assembléia Constituinte para ¿refundar¿ o Equador. Quer fazê-lo convocando um plebiscito por decreto, mas as leis equatorianas são claras: isso só pode ser feito por ato do Congresso. E a maior bancada do Congresso que acaba de ser eleito é controlada por Álvaro Noboa, seguindo-se a bancada do atual presidente, Lúcio Gutierrez.

Correa não tem nenhum bloco parlamentar que o apóie. Assim, de sua capacidade de fazer acordos dependerá a sorte de seu governo. Prudentemente, na sua guinada para a moderação, ele estabeleceu prioridades que contam com a simpatia geral. Não tocará, como afirmou repetidamente, na dolarização, adotada em 2000. Tentará resolver o problema social mais premente, que é representado por uma cesta básica que vale US$ 400 e um salário mínimo que mal atinge US$ 160. Aceitará o ingresso de capitais estrangeiros produtivos. E, como a maior receita do país vem do petróleo, tentará filiar-se novamente à Opep e buscará cooperação técnica com a Venezuela, mas não adotará medidas radicais contra as empresas estrangeiras, como fez Evo Morales.

Também já deixou claro que o Equador não ratificará o tratado de livre-comércio assinado com os EUA ¿ cujo Congresso ainda não ratificou o documento. Considera ele, e também parte considerável da opinião pública nacional, que os eventuais ganhos comerciais obtidos com esse tratado não compensariam os prejuízos estimados para a agricultura e a pecuária. E também não renovará, em 2009, a concessão aos EUA da base aérea de Manta.

O Rafael Correa que se elegeu não tem o perfil radical do candidato no primeiro turno. Agora é esperar que as dificuldades que enfrentará para governar não o joguem no eixo Havana-Caracas-La Paz.