Título: OMC fixa março como data-limite para países retomarem Doha
Autor: Marin, Denise Chrispim e Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2006, Economia, p. B1

A Organização Mundial do Comércio (OMC) cravou ontem o mês de março de 2007 como o prazo máximo para a retomada das negociações da Rodada Doha. O anúncio do diretor-geral da instituição, Pascal Lamy, deu-se ao final do encontro entre ministros do G-20 (grupo integrado por 23 países da África, Ásia e América Latina) e de outros grupos de economias em desenvolvimento com três pesos pesados nas negociações - Estados Unidos, União Européia e Japão. Embora todos os países tenham reafirmado o compromisso com a conclusão da rodada e se mostrado dispostos a "flexibilizar" suas posições, houve clara repetição do tiroteio entre Washington e Bruxelas que levou à suspensão da rodada em julho.

"O horizonte é março do ano que vem", decretou Lamy, depois de ressaltar que a data leva em conta a possibilidade de postergação do prazo do mandato que os EUA têm para seu Congresso negociar acordos comerciais, o Trade Promotion Authority ou fast track, e a divulgação da Lei Agrícola americana, que define o pacote de subvenções para 2007. "Todos os membros responderam que 'sim', querem a retomada da rodada e sua conclusão com êxito. Todos estão cientes do que o fracasso pode provocar surtos protecionistas aqui e acolá", completou.

Claramente, o prazo refletiu a necessidade de acomodação da política interna e dos lobbies americanos, no período imediatamente posterior às eleições parlamentares nos EUA, em novembro. A representante dos Estados Unidos para o Comércio, Susan Schwab, insistiu que o pleito não trará "nenhum impacto" sobre os destinos da rodada e que o Partido Republicano, do presidente George W. Bush, e o Democrata estão comprometidos com o resultado "equilibrado e robusto" da negociação. "O Congresso tem sido consistente sobre o que os Estados Unidos oferecem e recebem em troca", disse.

O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, reconheceu que o término das eleições vai ajudar o processo da rodada. Mas coube a comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, falar mais abertamente. "Para ser honesto, parece óbvio que os agricultores têm votos e assinam cheques para a campanha", afirmou. "Seria surpreendente que qualquer partido, Democrata ou Republicano, se comportasse de maneira que não levasse em consideração esse fator político. Quando se entra em período eleitoral, as pessoas ficam mais avessas ao risco. Isso é óbvio nos Estados Unidos e em qualquer lugar democrático do mundo."

TRINCHEIRAS

Os diferentes protagonistas do encontro entre G-20 e países desenvolvidos mencionaram o estado atual da rodada com metáforas mórbidas. Lamy comparou a crise provocada pela suspensão das negociações a um "acidente sério" de automóvel. A rodada estaria em uma "oficina", à espera de sair da garagem. No encontro reservado como G-20, Mandelson referiu-se à rodada como a um "moribundo". Amorim preferiu compará-la a um doente que saiu da UTI, mas continua na enfermaria.

O fato é que, apesar de todos os protagonistas destacarem que será dramático o fracasso da rodada, por conta dos ganhos já obtidos na eliminação de subsídios à exportação e dos objetivos mais ambiciosos nas outras áreas, o tiroteio prosseguiu no mesmo tom.

Diante da imprensa, Mandelson, defendeu que a proposta de Bruxelas sobre acesso a mercados agrícolas foi "poderosa" e "revolucionária" e que a questão-chave diz respeito à oferta melhorada de cortes nos subsídios agrícolas de Washington.

Schwab insistiu que a chave para a retomada está em acesso a mercados agrícolas. Mais explicitamente, em saber exatamente a dimensão real das propostas européia e do G-20 as exceções à abertura do mercado agrícola mundial.

A negociação foi suspensa em julho pela falta de avanços na trincheiras desses dois pesos pesados - os mesmos que, nas rodadas anteriores, praticamente impuseram seus acertos aos demais membros da OMC.

Em uma estratégia impetuosa, os Estados Unidos ofereceram em outubro do ano passado corte de 60% nos subsídios mais distorcivos ao comércio, a chamada caixa amarela. O total que os Estados podem desembolsar cairia de US$ 48 bilhões para US$ 22,5 bilhões ao ano.

O valor concedido no ano passado foi de US$ 20 bilhões - o que deixaria a margem para Washington conceder mais US$ 2,5 bilhões.

Além disso, os Estados Unidos não indicaram que aceitariam disciplinas impedindo uma espécie de malandragem - migrar subsídios distorcivos para outras "caixas", criadas e autorizadas pela rodada.

Com a UE o problema maior está nas omissões. Bruxelas oficialmente ofereceu corte de tarifas agrícolas de 39%, considerado inaceitável pelos Estados Unidos e G-20. Nas últimas reuniões em Genebra, Mandelson indicou que poderia elevar esse corte para 51,5%, caso os Estados Unidos se movessem na área de subsídios. Entretanto, insistiu que 8% dos itens tarifários pudessem ser considerados como "sensíveis", categoria que enfrentaria menos cortes de tarifas.

Mandelson chegou a indicar que poderia aceitar um porcentual muito menor, embora não tenha detalhado o tratamento que a UE espera para os produtos sensíveis. A contrário, cobrou das economias em desenvolvimento "maior clareza" sobre o que pretendem dos produtos especiais e das salvaguardas.

De fato, uma parcela do G-20, conduzida pela Índia, e o G-33, outro grupo de países em desenvolvimento, mantiveram-se encastelados em torno de seu desejo de proteção completa aos produtos especiais (da agricultura de sobrevivência) e das salvaguardas para o setor.

Trata-se de uma posição defensiva em relação à abertura de seus próprios mercados agrícolas aos produtos subsidiados das economias desenvolvidas - especialmente dos Estados Unidos - e das que contam com alta competitividade no setor - como o Brasil e outros membros do G-20.

O ministro de Comércio indiano, Kamal Nath, reforçou essa posição, embora tenha aceitado, anteontem, chegar a uma proposta em comum com os demais membros do G-20 sobre essas exceções. "O que está claro para todo mundo é que não há um único assunto ou interesse que vai prevalecer e será uma solução mágica para a rodada", disse Mandelson, ao suavizar um pouco suas próprias críticas ao imobilismo da posição americana.