Título: 'O Brasil deveria ser mais ambicioso'
Autor: Marin, Denise Chrispim e Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2006, Economia, p. B3

Os Estados Unidos reafirmaram ontem, na reunião do G-20, no Rio, sua posição sobre subsídios agrícolas que levou ao impasse e à ruptura das negociações da Rodada Doha em julho, na reunião do G-6 (seis principais negociadores) em Genebra. Apesar de mostrar-se receptiva à vontade geral de retomar as negociações e ao espírito de flexibilidade de todos os países e grupos, Susan Schwab, representante do Comércio dos Estados Unidos, deixou claro que os americanos condicionam o aumento da oferta de corte de subsídios domésticos à agricultura a propostas bem maiores de abertura de mercados agrícolas por parte da União Européia (UE), Japão e de nações em desenvolvimento como a Índia. A seguir, trechos da entrevista de Schwab ao Estado.

O que falta para os Estados Unidos ampliarem sua oferta de corte de subsídios domésticos?

Para se ter um acordo bem-sucedido na Rodada Doha, precisamos ter um avanço significativo em acesso a mercados em agricultura. Os Estados Unidos deixaram muito claro que têm o compromisso de fazer uma redução dramática de subsídios domésticos à agricultura, além da eliminação dos subsídios às exportações agrícolas. Nossa oferta de outubro de 2005 continha uma série de cortes dramáticos de subsídios, em troca de muito mais acesso a mercados. E, infelizmente, não se pôs sobre a mesa muito em termos de acesso a mercado em agricultura. O Brasil também deveria ser mais ambicioso nesta questão.

Por quê?

Olhe a força do Brasil, sua vantagem comparativa em agricultura. O Brasil é uma potência agrícola. As propostas de acesso a mercado sobre a mesa hoje da União Européia, do Japão, de outros países do G-20, como a Índia, são muito menos do que o potencial que o Brasil deveria estar buscando. O Brasil também gostaria que os Estados Unidos disciplinassem os subsídios domésticos. Como eu disse muito claramente, estamos preparados para fazê-lo, mas precisamos, em troca, de mais acesso a mercados. A fórmula que estou descrevendo só traz vantagens para o Brasil. Então a questão é o que o Brasil está preparado para fazer em termos de indústria e de serviços.

Mas há um consenso de que o obstáculo no momento atual é a agricultura?

É verdade. Como já disse, para se chegar ao quarto onde está escrito "indústria" e ao quarto onde está escrito "serviços", tem que se passar antes pelo quarto da agricultura.

A senhora está criticando a oferta de acesso a mercado dos europeus, mas eles ofereceram um corte de cerca de 50% nas tarifas agrícolas.

A proposta americana é de 66%, que seria muito mais benéfica do que 50% para as exportações brasileiras. Mas se você olhar os detalhes da oferta da União Européia, há questões muito sérias em termos de produtos sensíveis e brechas. Quando se analisa com cautela a proposta, percebe-se que, em muitos produtos importantes para seu país, o corte não é de 50%, na verdade.

Poderia dar um exemplo?

Em carne de primeira, a tarifa da UE é de 81%. A proposta atual da UE, aquela de 50%, corta a tarifa da carne de primeira para 61%, e não para 40%. Além disto, cria cotas tarifárias de 160 mil toneladas (por ano). Isso é 2,5% do mercado deles. E a proposta é isto aí. Na manteiga, por exemplo, um produto que nós não exportamos, a proposta da EU significa (um consumo de importados) de 50 gramas por cidadão (por ano). A proposta americana é de que 1% dos produtos (da pauta de importação agrícola) possam ser considerados sensíveis, enquanto que a da Europa é de 8%.

Mas a proposta americana para subsídios domésticos também é vista como fraca. E há a preocupação de que o país transfira produtos das caixas (grupos de produtos subsidiados) em que há maiores cortes para caixas em que haverá menor corte

A proposta americana é de um corte de 60% na caixa amarela, que reúne os subsídios que mais distorcem o comércio. Na caixa azul (a segunda em termos de distorção), a proposta é de corte de 50%. Combinando as duas caixas, se a proposta americana tivesse sido aplicada nos últimos oito anos, teria havido uma redução real de subsídios em seis desses oito anos. Com a atual proposta, os Estados Unidos teriam que reformar, mudar completamente o seu programa agrícola. E não há como fazer transferências entre as caixas, como tem sido alegado.