Título: Lula pede união nacional por país rico e justo
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/08/2006, Nacional, p. A4

Em pronunciamento feito no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo, mas de cunho marcadamente eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem "entendimento nacional" em seu eventual segundo mandato e lançou as bases do que seria um novo programa de governo. O presidente falou como quem se julga reeleito e apresentou aos "companheiros" dos setores industrial, bancário e sindical uma lista de compromissos para acabar com o que ele chamou de "grandes pecados nacionais". Prometeu redução de juros, dos impostos e do déficit previdenciário, e até melhoria nos gastos em infra-estrutura e educação.

Para uma platéia de cerca de 80 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Lula pediu o fim da tensão política e propôs um pacto com os adversários. "Temos de reduzir a tensão política, dedicar nosso tempo mais ao que nos une do que ao que nos divide", disse no discurso (leia íntegra na página A6). "Meu sonho continua sendo o de contribuir humildemente para que o Brasil encontre, definitivamente, o caminho do desenvolvimento sustentado, transformando-se numa nação rica e justa."

Os tucanos, principais adversários de Lula, interpretaram o pronunciamento como uma confissão de que o governo petista estaria ciente dos problemas fiscais que vem criando e das dificuldades que deve enfrentar a partir do ano que vem. "Do jeito que o governo vem gastando, se o mundo continuar a apontar para um cenário de desaceleração do crescimento econômico, o governo Lula vai ter de renegociar suas promessas eleitorais e precisar de muita ajuda para enfrentar a crise das contas públicas", afirmou o economista José Roberto Afonso, assessor do PSDB. Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawal, de janeiro a julho passado, a despesa do governo cresceu 14,8%, diante de um aumento de 11,1% da receita. Em Minas, o candidato Geraldo Alckmin (PSDB), tratou o chamamento ao "entendimento nacional" de "historinha de véspera de eleição".

As promessas feitas ontem por Lula basearam-se em um documento elaborado pelo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, com um plano de desenvolvimento para os próximos 16 anos, entre 2007 e 2022. A diferença é que o documento fixa metas bem precisas - como a taxa de crescimento de 6% a partir de 2008 - e o presidente não se comprometeu com números. O documento de Tarso também não diz como chegar ao crescimento necessário. Já a cautela de Lula corresponde a uma estratégia sob medida para evitar cobranças futuras. Na campanha de 2002, o programa de governo do PT dizia que era preciso criar 10 milhões de empregos, objetivo não atingido.

No discurso de 30 minutos, os sonhos anunciados pelo presidente trombaram várias vezes com a realidade. Lula chegou a afirmar que reduziu impostos - por coincidência, ontem mesmo a Receita Federal confirmou que a carga tributária em 2005 foi a maior da história, atingindo 37,37% do Produto Interno Bruto (PIB). Para espanto da platéia, o presidente afirmou: "A redução dos impostos também não é uma missão impossível. Não usei o aumento de imposto como instrumento de minha política econômica. Ao contrário, reduzi, e a arrecadação não caiu."

O presidente ressaltou que tem compromisso "definitivo" com o combate à inflação e previu que o índice deste ano ficará abaixo da meta de 4,5%. "Se depender do meu trabalho e da minha força, a inflação será lembrada pelas futuras gerações como os dinossauros são lembrados hoje", disse, antes de fazer uma ressalva. "Confesso a vocês que não penso como alguns críticos que acham que colocar as contas em ordem significa cortar, cortar e cortar. Na verdade, precisamos trabalhar para melhorar a qualidade do nosso gasto." Segundo ele, o crescimento econômico é um fenômeno "inusitado".

Lula surpreendeu a platéia ao cobrar coerência política, ignorando as críticas de que, para chegar ao poder e mantê-lo, mudou de discurso, de parceiros e de visão econômica. "Fico pensando se não seria bom, todo dia, cada brasileiro colocar o nome da pessoa eleita embaixo do travesseiro para nunca esquecer, para que pudesse cobrar sistematicamente a coerência."