Título: Voltando a conversar
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2006, Notas e Informações, p. A3
Embora remotas, as chances de a Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC), ser concluída com êxito no médio prazo podem dar um impulso às negociações do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Européia (UE). Em outubro, no Rio de Janeiro, serão reiniciadas as discussões entre os dois blocos, e a expectativa do Itamaraty é a de que, desta vez, sejam feitas ofertas concretas por ambas as partes.
O Brasil e o Mercosul, ao contrário de outros países latino-americanos e do mundo em desenvolvimento, não se prepararam para o fracasso ou a paralisação prolongada da Rodada Doha, destinada a dar maior fluidez ao comércio mundial. Os demais países latino-americanos buscaram acordos com seus principais parceiros, em particular com os Estados Unidos. Concentrado em fortalecer o bloco do Cone Sul, o governo brasileiro perdeu a oportunidade de concluir acordos desse tipo.
Só recentemente o chanceler Celso Amorim admitiu, de maneira mais clara, que agora o Brasil está disposto a procurar acordos bilaterais e regionais. ¿Nunca tivemos a estratégia de negar outras negociações¿, disse em julho ao Estado. O que não foi dito é que também não fazia parte da estratégia a busca de ¿outras negociações¿, isto é, fora da Rodada Doha. Quanto ao bloco europeu, disse que ¿podemos e até devemos retomar essas negociações¿. Já não era sem tempo.
Impasses em áreas sensíveis para os dois lados ¿ os sul-americanos querem a abertura do mercado agrícola europeu e a UE quer maior acesso ao mercado de produtos industriais do Mercosul ¿ praticamente paralisaram as negociações entre os blocos em setembro de 2004. Houve encontros entre as partes nos últimos meses, declarações otimistas foram feitas, mas não houve qualquer avanço.
Em junho, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, fez uma visita oficial ao Brasil, durante a qual foi recebido pelo presidente Lula, e a nota conjunta emitida após o encontro afirmava que os dois presidentes ¿tomaram nota do progresso nas negociações entre o Mercosul e a UE¿. Mas era apenas uma declaração protocolar.
Pouco antes de sua visita ao Brasil, Barroso observou que o Mercosul tinha problemas internos ¿ ¿não atingiu o ponto ótimo de institucionalização¿ ¿, o que dificultava os entendimentos com a UE. Brasil e Argentina, de fato, não conseguiram fechar uma proposta conjunta de concessões na área industrial, como querem os europeus.
As negociações serão retomadas num ambiente diferente, marcado pela paralisia das negociações no âmbito da OMC. O comissário de comércio da UE, Peter Mandelson, já definiu como o bloco europeu atuará nesse cenário. A UE, disse ele, sem abandonar o compromisso de fazer avançar a Rodada Doha, será mais ¿ativa¿ na abertura dos principais mercados emergentes, o que inclui o Mercosul. Os europeus querem maior acesso a esses mercados não só para produtos industriais, mas também para investimentos, serviços e compras governamentais.
São temas que o Brasil e seus parceiros do Mercosul consideram delicados, razão pela qual estiveram entre os que impediram o progresso das negociações entre os dois blocos.
Os sul-americanos, segundo o diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Regis Arslanian, esperam que haja algum movimento no sentido da abertura do mercado europeu de produtos agrícolas. ¿Há dois anos que não tem havido nem indicações¿ nesse sentido, observou. No que depender de um grupo de países europeus liderados pela França, porém, não haverá nenhum avanço nesse tema. A comissária de Agricultura da UE, Mariann Fischer Boel, afirmou que o bloco decidiu retirar as propostas de flexibilização de sua política agrícola, apresentadas recentemente.
Além das dificuldades conhecidas para o estabelecimento do acordo entre os dois blocos, pode ser que nas negociações de outubro surja outra: pela primeira vez a Venezuela de Hugo Chávez fará parte da delegação do Mercosul. Se não se fechar esse acordo, a UE tem a possibilidade de concluir tratados com outros países, entre os quais a Coréia do Sul. Já o Brasil corre o risco de iniciar 2007 sem nada importante na área comercial.