Título: China organiza feiras para atrair estudantes brasileiros
Autor: Cafardo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2006, Vida&, p. A14

Com seus mais de 70 milhões de estudantes no ensino superior e técnico, a China ainda quer os jovens brasileiros. No mês que vem, o país inaugura a primeira feira de educação no Brasil, com participação de cerca de 30 das maiores universidades chinesas. O evento é reflexo de um acordo assinado entre os dois países no fim de 2005 que facilita o intercâmbio educacional.

¿A China descobriu que, para acompanhar o desenvolvimento econômico, precisa de mão-de-obra qualificada¿, diz o presidente-executivo da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico, Paul Liu, um dos organizadores da feira.

Na entrevista a seguir, ele deixa claro que - apesar da qualidade de ensino em áreas como tecnologia e economia - a China quer primeiro convencer os brasileiros a aprender o mandarim. ¿A base do chinês é memorização, se você consegue memorizar 1.500 palavras já tem a conversação básica¿, diz. ¿Por falta de conhecimento da língua e da cultura, não se consegue avançar nos negócios entre Brasil e China.¿

As universidades chinesas - todas pagas - oferecem o ensino da língua e, mais tarde, uma especialização aos estrangeiros. Sem precisar de vestibular. É só entrar na internet e se inscrever. ¿Os jovens que derem importância ao aprendizado do chinês não têm preço nos próximos dez anos no mercado profissional¿, garante.

Por que o interesse da China pelo Brasil?

Brasil e China são dois países em desenvolvimento, com características semelhantes. Os dois estão crescendo, embora o Brasil muito menos. A China vem crescendo em dois dígitos em quase duas décadas e isso requer que o país busque parcerias. No fim de 2004, o ministro da Educação veio ao Brasil. Eram raros os estudantes brasileiros lá e vice-versa. Então, um acordo de cooperação na área educacional foi assinado no ano passado, o que facilita a entrada de alunos na China e dos chineses no Brasil. Qualquer instituição pode celebrar acordos com universidades de lá. Por causa disso, o ministério teve a idéia de fazer uma feira educacional pela primeira vez na América Latina, na Argentina, no México e no Brasil, que será nos dias 20 e 21.

Como a educação influenciou no desenvolvimento da China?

A educação foi um fator preponderante no crescimento dessa economia de dois dígitos por ano. Se a China não investisse na educação, certamente não teria um resultado tão positivo. O ensino fundamental dura nove anos e tem tempo integral obrigatório. A criança chinesa é treinada exaustivamente em memorização, por causa dos ideogramas da língua. Tenho visto campeonatos de matemática impressionantes, em que crianças de 6, 7 anos não fazem mais conta no papel. Calculam de cabeça mais rápido que a calculadora.

E o ensino superior?

O que a China descobriu é que, para poder acompanhar o desenvolvimento econômico, precisa de mão-de-obra qualificada. Então praticamente em todas as zonas industriais há escolas técnicas profissionalizantes, são 15 milhões de alunos. É a base principal de mão-de-obra qualificada. Depois, ainda há as escolas profissionalizantes de ensino superior, com outros 6 milhões de estudantes, e as universidades.

A educação é toda gratuita?

Por incrível que pareça, 99% das escola chinesas são pagas. E elas são estatais. Também não existe universidade de graça, os semestres custam em torno de US$ 2 mil. Só neste ano foi aprovada no Congresso a educação gratuita para filhos de camponeses. Como existe uma concorrência muito forte, a família chinesa preza muito a educação de seu filho único. A poupança é dirigida ao ensino da criança, que custa em média R$ 500 por mês. Para o padrão chinês não é barato. O governo gasta em torno de US$ 15 bilhões só com o ensino fundamental. E a criança está ocupada o dia todo. Portanto, raramente você encontra crianças na rua durante o dia. Só se for estrangeira, estiver fazendo turismo. Todas estão na escola. No ensino médio, o aluno que se prepara para o vestibular é solicitado de tal forma que praticamente passa o dia todo na escola. Vive oito, dez horas estudando, não tem sábado nem domingo.

Com essa concorrência como os brasileiros vão conseguir vagas?

A formação dos chineses para brigar no mercado é grande e a condição dos alunos é praticamente igual. Do que o governo precisa? Com a entrada de muitas empresas multinacionais, precisa de mão-de-obra qualificada e diferenciada. É necessário atrair novos alunos estrangeiros. As pessoas que vão para a China não concorrem com os alunos que saem do ensino médio chinês. Quem quer ir faz a matrícula e vai. O teste de seleção é só para saber o nível de mandarim. As universidades dão a primeira fase, que é aprendizagem da língua, e depois se ingressa no curso de especialização. Há dois tipos de cursos de pós, em mandarim ou em inglês.

É possível fazer graduação lá?

É mais difícil para estrangeiros porque a briga é acirrada por uma vaga. Isso poderá ser feito por meio de intercâmbio com universidades brasileiras. As universidades que vão participar da feira são escolas conhecidas, centenárias, famosíssimas, e que já recebem alunos estrangeiros. Muitas são das áreas de tecnologia, economia, administração e medicina. Os chineses também podem vir para cá aprender língua portuguesa, turismo, moda, artes. Isso ajuda a incrementar o comércio entre os dois países. Por falta de conhecimento da língua e da cultura, não se consegue avançar nos negócios. Hoje, não há pessoas para trabalhar nas empresas brasileiras na China que falem português e chinês. A carência é tão grande que um intérprete que fale inglês e chinês ganha US$ 100 por dia. Se falar português, são US$ 300.

Mas é difícil aprender chinês.

Tem gente que em um ano e meio consegue falar o básico. A base do chinês é a memorização. Se você conseguir memorizar 1.500 palavras já terá a conversação básica. Além disso, na China há muitas oportunidades de emprego. Se o brasileiro for para lá e tiver habilidade na área de turismo, de relações internacionais, de artes, é muito fácil. Hoje a China carece de muitas coisas que vêm de fora e não há pessoas para levar. Os jovens que derem importância a aprender o chinês não têm preço nos próximos dez anos no mercado profissional.