Título: Crédito chega a R$ 200 bilhões no Natal e ameaça perder fôlego
Autor: De Chiara, Márcia
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2006, Economia, p. B1

O volume de crédito no bolso dos brasileiros deve fechar o ano perto de R$ 200 bilhões. É uma marca histórica, que equivale a quase o dobro do que foi ofertado em julho de 2004 e cerca de 30% mais que em dezembro do ano passado. Até julho, a carteira de crédito ao consumidor somava R$179,7 bilhões,segundo dados do Banco Central (BC).

Depois da alta da inadimplência na virada deste ano, que freou as vendas a prazo em julho, a expectativa é de que o crédito tenha novo impulso no último trimestre. Com juros mais baixos, salários reajustados por uma inflação passada maior que a presente, preços cadentes, que dão mais poder de compra à população, além da entrada do dinheiro do 13º salário, usado para quitar as prestações atrasadas, a perspectiva é que o consumidor assuma novos financiamentos neste Natal.

Apesar da perspectiva de repique no volume de financiamentos, economistas concordam que o fôlego do crediário é cada vez mais curto. 'Este deverá ser o último Natal apoiado essencialmente na expansão do crédito', adverte o diretor da RC Consultores, Fábio Silveira.

Segundo o economista, a massa de salários - que é o resultado do número de ocupados multiplicado pelo rendimento - cresce desde 2003 num ritmo muito inferior à expansão do crediário. Sem investimentos na economia que criem mais empregos e renda, o motor do crédito deve começar a ratear em meados de 2007, prevê.

Entre 2003 e este ano, a carteira do crédito de recursos livres destinado às pessoas físicas cresceu 120% e a massa de salários, 37%, calcula Silveira. Nessa carteira estão incluídos crédito pessoal, consignado, cheque especial, cartão de crédito, entre outros financiamentos para a compra de bens.

FAIXA DE RISCO

Uma comparação, feita por Silveira, entre o volume de empréstimos ao consumidor e a massa salarial revela que, em julho deste ano, o total do estoque de empréstimos destinado às pessoas físicas (R$ 179,7 bilhões) equivalia a 8,4 vezes a massa salarial mensal (R$ 21,1 bilhões). Isso significa que, para cada R$ 1 recebido pelo trabalhador, ele devia o equivalente a R$ 8,4. Em dezembro de 2003, o nível de endividamento do brasileiro era de R$ 4,6 para cada R$ 1 recebido. Silveira diz que o grau de endividamento do consumidor está chegando a uma faixa de risco.

Essa análise é compartilhada pelo economista da MB Consultores Sérgio Vale. Para este fim de ano, ele ainda acredita que o crédito terá um certo impulso, mas não acha que esse movimento se sustente ao longo de 2007.

Vale destaca que os estímulos atuais para o crescimento da renda decorrem de fatores temporários, como aumento do salário mínimo, do Programa Bolsa-Família e de reajustes salariais por uma inflação passada maior que a presente.

Esses fatores não são duradouros e não devem se repetir em 2007. Além disso, sem investimentos, a renda não aumenta de forma significativa.

Para o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira, o volume de crédito ao consumidor no quarto trimestre deste ano deverá aumentar 5% na comparação com o terceiro e fechar o ano em R$ 200 bilhões. 'O crédito só não crescerá mais neste fim de ano porque parte dos recursos do 13º salário será destinada a quitar dívidas em atraso.'

INADIMPLÊNCIA

Dados do comércio indicam que a inadimplência começou a cair por conta do pagamento do 13 º salário. Pesquisa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio) mostra que a inadimplência do paulistano em setembro recuou para o menor nível desde de dezembro de 2004. Neste mês, do total de endividados, 35% tinham contas em atraso, ante 37% em agosto.

A diretora da Fecomércio - SP, Fernanda Della Rosa, atribui o recuo da inadimplência ao pagamento da primeira parcela do 13º salário aos aposentados, que foi antecipada pelo governo. 'A injeção de recursos foi de R$ 5,79 bilhões em setembro.'

O recuo da inadimplência é confirmado pelas financeiras. A Servloj, que tem na sua carteira cerca de 300 mil crediários de lojas, fechou o primeiro semestre com inadimplência de 10,8%. O índice se refere a prestações atrasadas acima de 180 dias. Em julho e agosto, esse indicador caiu para 10,3% e 10,2%, diz o diretor, Oswaldo Freitas Queiroz. 'Esse índice deve recuar para 10% até dezembro.'

Érico Ferreira, presidente da Acrefi, associação que reúne as financeiras, diz que o aumento da inadimplência não deve afetar a oferta de crédito por parte das instituições no fim do ano.Ele observa que os bancos e as financeiras estão mais preocupados em conquistar mercado que ampliar as suas margens. 'A briga, neste momento, é por participação de mercado.'

JUROS MENORES

O Banco PanAmericano já captou a tendência e acaba de lançar uma linha de crédito pessoal com garantia real, que permite uma taxa juros menor e reduz o risco de inadimplência.

Batizado de ImóvelPan, a linha é voltada para pessoas que possuem um imóvel que não esteja sendo usado para a própria moradia e tenham dívidas elevadas, no cheque especial, por exemplo, com juros mensais em torno de 8%. Com o imóvel dado em garantia, o piso da taxa mensal de juros dessa linha é de 1,98% e o prazo, de 60 meses.

'O mercado está entrando num segundo estágio: empréstimos com juros menores e garantia real', diz o diretor Comercial do PanAmericano, Carlos Roberto Vilani. Nos próximos 15 dias, o banco vai lançar outros produtos voltados para troca de dívidas.

O foco da concorrência neste momento, diz ele, é oferecer taxas de juros menores. O banco deve fechar o ano com carteira de crédito ao consumidor de R$ 4,8 bilhões, 60% maior que a de dezembro de 2005.

A francesa Cetelem estuda lançar novas linhas de crédito, mas não dá detalhes. Confirma que houve um recuo na inadimplência e diz que pretende dobrar a carteira de crédito neste ano. Em 2005, o saldo da sua carteira somou R$ 1,9 bilhão.