Título: Brasileiros dirigem múltis na China
Autor: Barbosa, Mariana
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/09/2006, Negócios, p. B11
A convivência de anos com hiperinflação, flutuação cambial, sucessivos planos econômicos e mudanças regulatórias transformou muitos executivos brasileiros em verdadeiros Phds em 'jogo de cintura'. E no efervescente e altamente competitivo ambiente de negócios da China, esse 'diploma' está se mostrando um excelente diferencial. Existem hoje pelo menos 100 executivos brasileiros ocupando cargos de média e alta gerência em multinacionais na China, segundo estimativas da Fundação Dom Cabral, instituição voltada para o treinamento de executivos, e do consulado brasileiro em Xangai.
'A experiência que ganhamos com a burocracia, com a complexa política tributária e, acima de tudo, com o processo inflacionário de anos atrás nos deu expediente para entender e ter paciência neste momento de transição da China', avalia Hélio Moino, vice-presidente da multinacional alemã Voith-Siemens Hydro Power Generator na China. Moino, que era responsável pela fábrica de turbinas e geradores para hidrelétricas da Voith-Siemens no Brasil, foi convidado para assumir os novos negócios da empresa na China há três anos.
Diante da velocidade com que a China se move, com sua média de crescimento de 10% ao ano, o país tem importado mão-de-obra qualificada para suprir lacunas. E o Brasil tem contribuído com pilotos de avião (ex-comandantes da Varig), técnicos da indústria de calçados (setor que tem sofrido justamente com a concorrência chinesa) e, agora, também com administradores de nível médio e alto. 'Não podemos nos esquecer que o capitalismo na China é muito recente', afirma o professor Alberto Miranda, coordenador do programa de China da Fundação Dom Cabral. 'A mão-de-obra no país é abundante, mas existe uma carência grande de profissionais qualificados.'
O gerente geral do grupo siderúrgico Bakaert na China, Carlos Polanczyk, tinha dez anos de carreira na Belgo Mineira Bakaert, em Minas, quando foi transferido para a China, há dois anos. Foi o escolhido entre 15 diretores das fábricas do grupo belga no mundo - incluindo Estados Unidos, Índia, Espanha, Austrália. 'Fui selecionado pelo histórico profissional e resultados da unidade brasileira da qual era responsável', conta Polanczyk. Na sua opinião, as diversas experiências - boas e ruins - vividas por sua geração no Brasil, de expansões ao downsizing, da implementação de programas de qualidade total às negociações sindicais, ajudaram a desenvolver executivos 'criativos e flexíveis'.
'Flexibilidade e capacidade de adaptação são características muito importantes por aqui', completa Manuel Correa, gerente geral da Saint-Gobain Abrasivos para Ásia e Pacífico. 'O mercado é muito dinâmico e os concorrentes se movem com uma rapidez impressionante.' Correa está há dois anos em Xangai, onde mora com a mulher e três filhos. Antes, ocupava o mesmo cargo na subsidiárias do grupo no Brasil.
Apesar de já terem passado por muitos altos e baixos, os executivos brasileiros na China não deixam de se surpreender com a dinâmica da economia chinesa. 'A China vive um momento único e é para lá que os empresários brasileiros deveriam focar seus negócios', diz Polanczyk.
'Isso aqui é outro planeta. O governo central faz planos de longo prazo. Há disponibilidade de capital, juros baixos, espírito empreendedor e legislação trabalhista flexível. A sociedade não desperdiça tempo e dinheiro debatendo política e sucessão, em reuniões de federações industriais. Eles fazem acontecer.'
São tantos conterrâneos na China que datas como o Sete de Setembro são comemoradas de verde amarelo, em churrascos de confraternização. 'Longe de casa tem dessas coisas', diz Hélio Moino.
FRASE
'Flexibilidade e capacidade de adaptação são características muito importantes por aqui'
Manuel Correa Gerente geral da Saint-Gobain Abrasivos para Ásia e Pacífico
'A mão-de-obra no país é abundante, mas existe uma grande carência de profissionais qualificados'
Alberto Miranda Coordenador do programa de China da Fundação Dom Cabral