Título: Após vitória arrasadora, Chávez deve aprofundar sua `revolução¿
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2006, Internacional, p. A12

Nem os mais otimistas partidários do presidente venezuelano, Hugo Chávez, esperavam uma vitória tão arrasadora na eleição de domingo. Com 85% dos votos apurados oficialmente ontem pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Chávez obtinha 61,62%, enquanto o opositor Manuel Rosales ficava com 38,12%. Até esse ponto da apuração, o presidente vencia nos 23 Estados e no Distrito Federal. Liderava até mesmo em Zulia, Estado do noroeste do país do qual Rosales é governador licenciado, por 1,3 ponto porcentual - e onde o Comando Miranda, grupo de campanha chavista, previa uma ligeira vantagem para o adversário.

Chávez supera também sua maior votação, em 2000, quando recebeu 59,7% dos votos na eleição que o legitimou no poder após a promulgação da Constituição de 1999. Quando chegou ao poder, em 1998, Chávez obteve 56,2% dos votos. Em 2004, quando derrotou a tentativa da oposição de revogar constitucionalmente seu mandato, recebeu o apoio de 59,09% dos eleitores.

A abstenção eleitoral de domingo também foi a menor das últimas décadas. Apenas 24,68% dos eleitores registrados não compareceram às urnas. O voto na Venezuela não é obrigatório.

O CNE deveria ter divulgado ontem o resultado final da votação de domingo, mas problemas com a chegada de alguns dados, principalmente do exterior, atrasaram a contagem. O último boletim poderia ser divulgado ainda ontem à noite, mas a hipótese mais provável, segundo jornalistas locais, era a de que ele fosse anunciado hoje. Logo após a difusão do resultado definitivo, Chávez será proclamado oficialmente o vencedor da eleição. Ele deve viajar para o Brasil amanhã (leia mais na página 14).

Os observadores internacionais - incluindo as missões da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Mercosul - deram aval ao processo eleitoral venezuelano. O relatório da OEA ressalvou que a captação eletrônica da impressão digital do eleitor atrasou a votação, mas não detectou problemas substanciais na eleição.

Entre as medidas da reforma constitucional anunciada por Chávez ainda durante a campanha, o escritor venezuelano Alberto Garrido dá como certo o fim do limite da reeleição - hoje restrita a uma única vez. ¿Chávez segue um projeto revolucionário cívico-militar cuja aplicação e consolidação devem levar pelo menos 20 anos¿, disse ao Estado. ¿Esse projeto prevê para sua segunda fase, que começa com a reeleição, a substituição da democracia representativa pelo que qualifica de `democracia revolucionária bolivariana¿. Isso significa o fechamento gradual do regime, na direção de um partido único, da restrição da liberdade de expressão e de outras garantias individuais.¿ Segundo Garrido, o chavismo deve aproximar-se cada vez mais do modelo de regime cubano.

O primeiro sinal do início da consolidação da revolução de Chávez deve ser a unificação de todos os seis movimentos de esquerda que o apóiam - sob o comando do Movimento V República (MVR) - em um só partido. Segundo indicou o presidente, a reforma política também preverá sanções para dirigentes de partidos que se retirarem de eleições depois de inscritos.

A medida visa a evitar boicotes, como o que os partidos da oposição promoveram no fim do ano passado, quando eles se retiraram da disputa em protesto contra as normas do CNE, que segundo os opositores, buscavam favorecer o governo. Os partidos governistas concorreram sozinhos e ocupam hoje todas as 165 vagas da Assembléia Nacional.

A professora de ciências sociais da Universidade de Caracas Mariclen Sterling não acredita no estabelecimento de um diálogo entre o governo e a oposição, mesmo que Rosales se consolide como líder do campo opositor. ¿Primeiro, nenhum dos dois lados se mostra sinceramente disposto a uma negociação e, segundo, porque a oposição segue fragmentada, abrangendo movimentos de interesses diferentes, na faixa ideológica da extrema direita até a esquerda moderada.¿

Muitos analistas em Caracas também apostam numa série de expurgos no chavismo - por causa da ineficiência mostrada até agora no combate à pobreza, à criminalidade e no gerenciamento da infra-estrutura do país. E também por causa de focos de corrupção que a cada dia se espalham mais pelo entorno do Palácio de Miraflores.

De acordo com um diplomata sul-americano baseado em Caracas, que falou ao Estado sob a condição de não ter o nome divulgado, novos escândalos de corrupção entre chavistas surgiram nos últimos meses, mas foram abafados por causa da campanha eleitoral. ¿Chávez está convencido de que a corrupção e a ineficiência são mais perigosos para sua revolução do que a ação dos políticos da oposição¿, declarou o diplomata.

A maior parte desses focos de corrupção surge no setor do petróleo, cuja alta nos últimos anos encheu os cofres do Tesouro venezuelano. Só em 2006, as receitas do petróleo devem render US$ 60 bilhões - quase três vezes o PIB da Bolívia, por exemplo.

No campo das relações exteriores, Chávez deve insistir nos laços Sul-Sul, ampliando os vínculos com os países esquerdistas da região, buscando alianças estratégicas com a China e intensificando os contatos com seus parceiros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Apesar dos insultos dirigidos ao presidente americano, George W. Bush, o pragmatismo do Departamento de Estado deve prevalecer sobre a retórica de linha dura dos falcões da Casa Branca. A interdependência econômica entre os dois países não permite arroubos que levem ao rompimento definitivo. Dos cerca de 3 mil barris de petróleo que a Venezuela produz por dia, dois terços vão para os EUA - que, por seu lado, não podem abrir mão da compra desse produto.