Título: 'Brasil só vai crescer 5% com reformas'
Autor: Castellani, Marisa e Velloso, Thiago
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2006, Especial, p. H5

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro não vai crescer os 5% desejados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007. É o que indica o cenário básico imaginado pelas instituições que participam do Ranking AE Projeções.

Elaborado pela Agência Estado, o ranking elege, entre bancos, corretoras, assets, empresas e consultorias, quem melhor enxerga a realidade econômica. Detalhe: nem a estimativa mais otimista inscrita no ranking chega aos 5%, contentando-se com o máximo de 4,5%.

A mediana das projeções é de 3,5%. Esse é o índice esperado por 14 das 45 instituições que participam do ranking . O maior grau de consenso, com 15 respostas iguais, foi conseguido pela aposta de que a taxa Selic (o juro básico da economia) fechará 2007 na marca de 12%.

Há, de fato, um enorme grau de consenso sobre as linhas gerais da economia no próximo ano: inflação sob controle (ao redor de 4%); juros em queda (fechando o ano na marca dos 12%); saldo comercial ainda expressivo (da ordem de US$ 38 bilhões); e um crescimento modesto.

O que divide os analistas ouvidos não é o desenho genérico de 2007, mas o mapa dos riscos que podem causar estresse ao mercado financeiro. Alguns acreditam que o maior risco é representado pela economia norte-americana; outros, que o foco do mercado vai se voltar para o governo Lula.

José Márcio Camargo, professor da PUC/RJ e consultor da Tendências Consultoria Integrada, primeira colocada no ranking AE Projeções, é dos que acham que os riscos maiores estão no exterior, com uma recessão na economia norte-americana ou um descarrilamento da economia chinesa.

REFORMAS

Mas, acredita o consultor, a possibilidade de o quadro pessimista acabar prevalecendo é muito pequena. Segundo o consultor, 2007 será um ano bom ou melhor. Em ambos os casos, o País vai alcançar o grau de investimento (classificação de baixo risco de investimento feita pelas agências internacionais especializadas). Pode ser ainda durante o segundo mandato de Lula ou só no de seu sucessor. É a velocidade de aprovação das reformas que vai definir.

São também as reformas que possibilitam a passagem de um cenário bom para um chamado de melhor. No primeiro caso, o País cresce de 3,5% a 4%; no segundo, poderia chegar ao desejado pelo presidente Lula ou até mesmo superar os 5%. O prêmio de risco (quanto o País paga a mais de juros do que os títulos emitidos pelo Tesouro norte-americano), no cenário bom, gira em torno de 150 pontos base a 200 pontos; no melhor, chega a bater em 100 pontos base.

O cenário bom, acredita Camargo, tem de 65% a 70% de probabilidade de se materializar. Nele, a economia norte-americana cresce menos, mas a China continuará a crescer de forma exuberante. 'Os preços das commodities ainda serão favoráveis, menos pressionados do que tivemos nos últimos anos, mas, certamente, ainda bastante confortável para o balanço de pagamentos brasileiro.'

QUALIDADE DOS GASTOS

Na avaliação da Tendências, o Brasil não terá problemas na área fiscal e deve manter o superávit primário de 4,25% do PIB. 'A questão é que o País conseguiu chegar a isso com uma carga fiscal extremamente alta e gasta mal esses recursos.' É a qualidade dos gastos públicos que preocupa.

'O Brasil gasta 13% do PIB com Previdência Social, 4,5% com Educação, 7,5% com Saúde. Só aí já são 25% do PIB. Quando se incluem os gastos com juros e mais o superávit primário, acaba o Orçamento. Todo o resto vira déficit', conclui Camargo.

Depois de mencionar que o País gasta, per capita, 16 vezes mais com idosos (aposentadorias e pensões) do que com educação das crianças e jovens do Brasil (até 15 anos), o consultor lembra que educação é investimento; aposentadoria é consumo. 'Como há uma concentração de gastos em consumo, acaba não sobrando dinheiro para investir.'

Assim, os números tornam claro o motivo de a Tendências considerar a reforma da Previdência Social a mais importante. Mas, claro, há outras que fazem parte da agenda, como a trabalhista, a tributária e a melhoria do ambiente regulatório, para atrair e torna possível o investimento privado, principalmente na área de infra-estrutura. 'Só vai ter investimento do setor privado se houver regras claras, estáveis e agências reguladoras autônomas.'

Há o consenso no mercado de que as reformas vão determinar o quanto o País poderá crescer. 'Ninguém mais discute as condições de solvência do Brasil, mas, agora, é preciso avançar para a próxima etapa, que é encontrar e derrubar os fatores que bloqueiam o investimento', observa André Lóes, economista-chefe do Santander Banespa.

CAPITAL POLÍTICO

Para ele, o mercado vai olhar com mais atenção para a questão interna em 2007. 'O pior cenário é o presidente Lula não conseguir passar as reformas', sentencia Arthur Carvalho, economista-chefe da Ativa Corretora.

'Lula já mostrou que é muito pragmático, mas, mesmo assim, não é possível saber qual será sua capacidade de aprovar as reformas', comenta Lóes. O economista dá como certa as transformações da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e da CPMF em permanentes, mas teme que o governo só tenha capital político para aprovar esses itens de emergência e não consiga aprovar as reformas. Sem elas, 'aumento o risco de um crescimento medíocre', o que vai acontecer, segundo ele, 'enquanto perdurar a situação atual de investimentos, em que o total fica em torno de 20% do PIB e o que é aplicado em infra-estrutura não chega a 2%'.

FRASES

José Márcio Camargo Consultor da Tendências 'O Brasil gasta 13% do PIB com Previdência Social, 4,5% com Educação, 7,5% com Saúde. Só aí já são 25% do PIB. Quando se incluem os gastos com juros e mais o superávit primário, acaba o Orçamento. Todo o resto vira déficit'