Título: Fome traz rancor, dirá Lula na
Autor: Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2006, Nacional, p. A7

Em seu último compromisso internacional antes da eleição de 1º de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abrirá amanhã os debates da 61ª Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, disposto a causar impacto. Longe das crises domésticas e oito horas antes de receber da Appeal of Conscience Foundation (Fundação Apelo da Consciência) o prêmio de Estadista do Ano - sob medida para um candidato à reeleição -, Lula vestirá na ONU o figurino do líder que cobra dos países ricos medidas urgentes em defesa de uma nova ordem econômica, política e social para a construção da paz e da segurança no mundo.

Diante de uma platéia formada por representantes de 192 países, o presidente dirá que a falta de oportunidades e a miséria impostas pelos donos do poder econômico às nações mais pobres criam terreno fértil para o rancor, o fundamentalismo e a violência numa época em que predominam os ataques terroristas no Oriente Médio e cinco anos após os atentados de 11 de Setembro. O tom de seu discurso será de que os esforços para a paz e o desenvolvimento precisam caminhar juntos.

No plenário da ONU, Lula usará a mesma estratégia repisada em sua campanha eleitoral, quando se apresenta como pai dos pobres: a de que o investimento no social é antídoto contra a violência, fórmula para reduzir os conflitos. As cenas do presidente-candidato que se relaciona de igual para igual com as principais potências do planeta serão exibidas no Brasil nos últimos dias da propaganda eleitoral na TV.

Lula chegará a Nova York hoje à noite e amanhã será o primeiro presidente a discursar, já que, por tradição, o Brasil sempre abre os debates da ONU. Será seguido na tribuna pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, logo após dar uma estocada nas nações mais poderosas ao pregar novamente o fim do protecionismo agrícola que penaliza os menos favorecidos. Em 2003 e em 2004, ao cumprimentar Lula, Bush desejou-lhe boa sorte na arena internacional. 'Não vá dormir enquanto eu falo, hein?', brincou.

Na 61ª edição da Assembléia-Geral da ONU, o presidente atuará mais uma vez como advogado do multilateralismo e pregará a reforma da organização e a ampliação dos membros permanentes no Conselho de Segurança - hoje formado por Estados Unidos, França, Reino Unido, China e Rússia. O Brasil reivindica uma cadeira fixa nesse fórum de decisões.

METAS DO MILÊNIO

Em plena campanha por um segundo mandato, Lula também vai aproveitar o discurso para uma espécie de prestação de contas: afirmará que o Brasil está fazendo sua parte para derrotar a fome e cumprir as Metas do Milênio, conjunto de compromissos para reduzir a pobreza pela metade até 2015. Apresentará os resultados alcançados com o Bolsa-Família, programa de transferência de renda que hoje beneficia 11,1 milhões de famílias, embora o Brasil ainda seja o quinto país mais desigual do mundo, segundo o último levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Dois anos depois de ter proposto na ONU a Ação Contra a Fome e a Pobreza, em reunião com 60 chefes de Estado e de governo, o presidente Lula tentará colher os dividendos políticos de sua iniciativa. Seu compromisso vespertino de amanhã, antes de receber o prêmio de Estadista do Ano da Fundação Apelo da Consciência, será com o lançamento da Central Internacional para Compra de Medicamentos.

O Brasil participa do projeto-piloto ao lado de França, Chile, Reino Unido e Noruega. A central funcionará como um fundo que vai receber contribuições solidárias provenientes da taxação de passagens aéreas, ou mesmo de orçamentos próprios dos países, para a luta mundial contra a aids, a malária e a tuberculose.

Na Cúpula do Milênio promovida pela ONU, no ano passado, Lula chegou a anunciar que o Brasil também cobraria uma taxa dos passageiros na compra de bilhetes aéreos internacionais, mas essa intenção não saiu do papel. A França e o Chile já adotaram medida semelhante. O governo brasileiro formou um grupo de trabalho para avaliar o assunto, que ainda esbarra na resistência da equipe econômica.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que o Brasil contribuirá para a criação da Central de Medicamentos com uma parcela do Orçamento da União até que seja desenvolvido um mecanismo para a taxação de passagens aéreas, mas o valor do aporte de recursos não foi revelado.

Cálculos do governo indicam que, se fosse cobrada de cada passageiro taxa de US$ 2 por vôo internacional, a contribuição anual do Brasil para financiar a guerra contra a fome e a pobreza no mundo seria de US$ 12 milhões.