Título: Após reclamar de eleitor, Péres recebe enxurrada de mensagens
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2006, Nacional, p. A10

Embora nunca tenha sido um político popular fora do Amazonas, seu Estado natal, o senador Jefferson Péres (PDT) provocou comoção em Brasília quando anunciou a decisão de abandonar a carreira, dizendo-se amargurado pela falta de princípios éticos dos políticos, de artistas e, conforme disse, até de milhões de eleitores. O pronunciamento ocorreu em 30 de agosto e desde então o gabinete de Péres transformou-se num santuário de manifestações.

Sua caixa de e-mails recebe uma média de 200 mensagens por dia - num cortejo eletrônico que une intelectuais de prestígio, empresários e eleitores anônimos. Num fax , Raymundo Magliano Filho, presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, pede ao senador que "reconsidere sua decisão" e argumenta: "Vivemos tempos mais que sombrios. Mas não podemos perder a chama da esperança."

Entre as mensagens há eleitores tão irritados com o Congresso que exigem a renúncia imediata do senador, enxergando intenções malignas na idéia de ficar até 2010 no posto para o qual foi eleito em 2002. "Parece-me bastante aproveitar os rendimentos por 48 meses, sem convocações extraordinárias, aposentadorias e outros benefícios", insinua o internauta Francisco Rodrigues Vasconcelos.

O Senado garante a Jefferson Péres, professor aposentado da Universidade Federal do Amazonas, uma renda mensal bruta de R$ 12.700, apartamento funcional espaçoso em Brasília, carro com motorista e direito de empregar até 12 pessoas sem concurso no gabinete. Há confortos suplementares, como um banheiro de mármore.

Com uma letra miúda e arredondada, o próprio senador resolveu responder ao eleitor desconfiado, encarregando um auxiliar de despachar sua resposta pela internet. "Renunciar ao mandato, agora, seria traição," escreveu Péres. "Deixar de me candidatar é decisão exclusivamente minha."

A maioria das mensagens recebida é solidária com a indignação do senador, mas pede que reconsidere a decisão de abandonar a política. Um gerente de Belo Horizonte, José Paulo Cardoso Campos, escreve em tons épicos: "Lutarei pela Justiça enquanto achar que ela pode ser alcançada. Gostaria de saber que o senhor não desistiu. Ainda que seja um, somente. Esse um justifica todo um povo!"

Márcio Gil Rodrigues, advogado pernambucano, diz: "Espero que mude de idéia." Um eleitor gaúcho, Elygio Fergütz, escreve: "Ainda bem que estou no Rio Grande do Sul e tenho a possibilidade de votar em (Pedro) Simon. Além dessas duas possibilidades não há outra." Um eleitor paulista que vive no Piauí, José Luís da Silva Leite, usa o slogan do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) para dizer a Péres: "Não dá para viver sem o senhor." A escritora Lya Luft argumenta: "Precisamos de homens como o senhor para ter confiança nesta terra. Estamos cansados demais."

TALVEZ ...

Ao anunciar uma decisão que só será formalizada em 2010, Péres deixou a porta aberta para mudar de idéia. "Minha decisão está tomada. Mas poderei voltar atrás se as circunstâncias mudarem", admite. "Vamos ver como o Brasil vai estar em 2010. O governo pode estar engajado num processo em que todos os partidos sejam chamados a colaborar. Nesse caso, não me recusaria a ficar. Mas sou pessimista. Duvido que isso vá acontecer. Acho que o Brasil e o governo vão seguir do mesmo jeito e eu vou embora."

A decisão de abandonar a política em nome da ética tem aspecto dramático por causa de um traço pessoal. Jefferson Péres tem convicções firmes, mas não alimenta um espírito belicoso. Costuma reconhecer quando está diante de um inimigo mais forte - e nesse caso assina uma reedição sem problemas.

Em 2006, ele queria ser candidato a presidente pelo PDT. Soube que o senador Cristovam Buarque (DF) tinha a mesma intenção e desistiu, evitando o confronto. Virou vice. Simpatizante do PCB em 1964, abandonou toda a atividade política com a instauração do regime militar. "Tinha medo de perder o emprego", conta. "Só voltei à política com o retorno das garantias democráticas."

Vereador em Manaus, tornou-se senador na pororoca de votos do Real de FHC, em 1994. Rompeu com o PSDB quando, na luta pela reeleição, o partido ingressou naquela "zona cinzenta de amoralidade", como definiu o professor José Arthur Gianotti. Foi candidato de oposição à presidência do Senado, numa disputa onde o Planalto apoiou a candidatura do hoje deputado Jader Barbalho (PMDB-PA). Acabou massacrado mas, mesmo assim, em 2002 reelegeu-se pelo PDT com o dobro de votos do pleito anterior. Na campanha ameaçou até entrar na Justiça Eleitoral quando o principal cacique do Estado, Amazonino Mendes, velho adversário, fez menção de declarar na TV que apoiava sua candidatura.

A atitude bem informada e sem exibicionismo demonstrada na CPI do Mensalão ajudou o senador a transformar-se numa celebridade ética. Para um professor universitário que chegou a ser simpatizante de uma sigla herdeira de Lenin e Stalin, para quem a corrupção é o oxigênio da "democracia burguesa", chega a ser espantoso que o desencanto com os maus costumes parlamentares só tenha se manifestado em 2006. Qual o fato novo?

"Foi o PT, que era referência ética na política", explica Péres com sua voz grave e baixa. "Foi a Câmara, patrocinando tudo aquilo e depois absolvendo aquela gente toda. Eu pensei que o Lula iria desabar na sucessão. Imaginei pelo menos uma eleição difícil. Mas ele pode vencer no primeiro turno. As intenções de voto de Lula mostram que uma grande parte da população é conivente e acha que é isso mesmo.

Mas a melhor atitude é desistir? "Chama-se isso de saturação: é desencanto e nojo. O que eu posso fazer, se a própria sociedade sanciona tudo isso?" Péres diz que depois de 2010 seguirá lutando em artigos de jornal, palestras e entrevistas.