Título: Crise no RS é assunto proibido nas campanhas
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2006, Nacional, p. A12

Duas estiagens devastadoras, o efeito danoso do câmbio sobrevalorizado sobre as exportações, a queda de preços das commodities agrícolas e o desajuste fiscal do governo estadual colocaram o Rio Grande do Sul à deriva. Mas o Estado passa pela campanha eleitoral contornando a maior crise de sua história recente; nenhum dos principais candidatos oferece propostas efetivas para superar o desastre e, principalmente, nenhum fala no tema mais proibido - o ajuste fiscal que o Estado não fez e não tem como evitar fazer em futuro muito próximo.

Fora da campanha, o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PPS), reconhece que há um "pacto de silêncio" dos candidatos, mas pondera que num segundo turno - que se afigura inevitável - a discussão terá de ser aprofundada. Aí se evidenciarão as duas posições: Germano Rigotto (PMDB), candidato à reeleição, tende a assumir um maior rigor fiscal e a defender timidamente o Estado mínimo; Olívio Dutra (PT) não admite ajuste pelo enxugamento do Estado. "Não existe Estado mínimo. Existe Estado necessário", diz, prometendo admitir mais gente. Para complicar, Yeda Crusius (PSDB), em terceiro lugar, cresce nas pesquisas.

Mas o empresariado não espera. O agronegócio começa a mudar o seu perfil, anuncia o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto. A indústria, há 17 meses em recessão, não tem mais o que ajustar, relata Paulo Tigre, presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), que exibe um dado arrasador: a parcela do PIB brasileiro que cresce (79%) espelha apenas 20% do PIB da Região Sul; o PIB brasileiro que cai (21%) significa 74% do PIB da Região Sul. E, dentro de uma Região Sul depauperada, o Rio Grande está pior.

Do lado privado, o PIB estadual teve evolução negativa de 4,8% em 2005, por causa da quebra agrícola provocada pelas fortes estiagens de 2004 e 2005, que se espraiou por toda a cadeia produtiva e arrasou a indústria de máquinas e implementos agrícolas. O que escapou das estiagens foi dizimado pelo câmbio sobrevalorizado, que tira a competitividade da produção gaúcha e não remunera as exportações. Agora, quando a safra voltou aos padrões normais, os agricultores esbarraram na queda de preço das commodities agrícolas.

Do lado oficial, o Estado não privatizou o banco estatal e hoje compromete quase 19% de sua receita com o serviço da dívida - além dos 13% obrigatórios, mais 5% por conta do socorro do Proes (programa de reestruturação dos bancos estaduais) ao Banrisul e de empréstimos internacionais do Estado - e o pagamento de inativos, que representa 51% da folha de pessoal, sem que haja um fundo previdenciário para prevenir o futuro. Rigotto reconhece a penúria: "Temos capacidade de investimento de 5,7%, que é insignificante." É o único otimista, entre políticos e empresários.

Olívio acusa Rigotto de piorar a situação do Estado ao premiar grandes empresas com renúncia fiscal e ser excessivamente magnânimo com os orçamentos do Judiciário e do Legislativo. "Ele não enfrenta as corporações." Rigotto aciona a crítica que mais incomoda o PT nesta campanha - lembra que Olívio Dutra, no governo, perdeu uma fábrica da Ford para a Bahia. "Eles (os petistas) não têm sensibilidade para atrair capitais", diz. E reclama do governo Lula, que não cumpriu as compensações da Lei Kandir.

PERFIL NOVO

O governador, que vem liderando as pesquisas de opinião, desfolha o seu otimismo compartilhando a idéia da mudança do perfil produtivo do Estado. Relata novos negócios que chegam ao Estado, como três plantas de florestamento para produção de papel (que os ambientalistas condenam) que estão invadindo o pampa - os campos do sul do Estado. É um investimento de quase US$ 4 bilhões, segundo ele, que o Rio Grande do Sul não pode recusar.

Quanto ao câmbio, diz que depende do futuro governo federal. "Mas não pode ficar do jeito que está." O deputado Raul Pont (PT) rebate: "O problema do câmbio começou na paridade decretada por FHC."

Mas o que ninguém assume é que o principal tema da campanha deveria ser o ajuste fiscal do Estado. Rigotto despacha o assunto. "Como poderia fazer ajuste com 19% da receita comprometidos, uma folha enorme de inativos e uma carga tributária estadual baixa?", questiona, irritado. "Ele concedeu três anistias fiscais e, no primeiro ano, aumentou a dotação do Judiciário em 28%", replica Pont.

Os dois lados discutem estes temas, mas quando se fala em privatizar o Banrisul, todos desconversam. O Banrisul está no vértice da tradição positivista gaúcha. Seu slogan - "orgulho de ser gaúcho" - o confunde com a alma gaúcha abatida pela crise. Quem defende sua privatização, como o empresário Paulo Feijó, candidato a vice na chapa de Yeda, é encarado como se tivesse cometido uma ofensa ao Rio Grande. A solução é conviver com o banco estatizado, admitem todos, nas entrelinhas.

Fernando Lemos, presidente do banco, garante que o Banrisul paga mais, em dividendos, do que tira - com o abatimento do Proes - do governo estadual. "A não-privatização foi um grande negócio", diz. Olívio sugere que o governo estadual se reestruturará apenas melhorando a sua capacidade de aumentar arrecadação.