Título: Bin Laden, o vilão sem futuro
Autor: Hitchens, Christopher
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2006, Internacional, p. A20

Em O Homem Invisível, de Ralph Ellison, o narrador fala de um professor ameaçador e autoritário: "Gostássemos dele ou não, ele nunca saía de nossa cabeça. Isto era um segredo da liderança."

Durante os últimos cinco anos, venho pensando quase como um garoto de escola - até mesmo uma garota - num homem que realmente conseguiu vestir um manto de invisibilidade. Tentei, como um amante, ler a mente e o humor de Osama bin Laden.

Observei inúmeras fotografias de seus dedos longos, finos, e seus olhos distantes um do outro, suplicantes. Perguntei-me o que ele quer, do que precisa. Preocupei-me com sua saúde - acreditando a certa altura que ele teria morrido - e cismei com os rumores sobre sua doença renal (aparentemente infundados) e sua possível síndrome de Marfan, que ameaça a aorta (uma aflição mais provável, que ele poderia compartilhar com Abraham Lincoln).

Guardo uma camiseta com seu rosto, comprada num bazar sórdido na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão, enquanto frotas de aviões americanos mudavam a paisagem em torno de Tora Bora. A pureza do ódio pode ser mais perfeita e forte que o amor. Quando as pessoas falam com loquacidade sobre "os outros", sei o que elas querem dizer. Para mim, Osama bin Laden é os outros. É o inimigo de tudo que amo e o símbolo de tudo que odeio. Não suporto a idéia de que, quando ele morrer na agonia, humilhação e derrota, não estarei presente para acompanhar sua mudança de expressão e vê-lo esvaziar o amargo cálice da vergonha.

Estou só brincando. É uma desgraça o fato de uma nação crescida, civilizada e poderosa como a nossa sofrer espasmos de pânico diante do espectro deste ser horrível. Osama bin Laden é o mais supervalorizado vilão narcisista de todos os tempos e nem sequer tem o fascínio de um Charles Mason. Seus balbucios corânicos são os delírios de um palhaço.

Quando chegou a hora da verdadeira luta, ele tirou a coroa do martírio e fugiu. Bin Laden é o filho mimado ou possivelmente rejeitado de uma dinastia vulgarmente rica e fez seu nome como operador de uma tortuosa corporação multinacional que agora usa o nome orgulhoso de Al-Qaeda. É o chefe hipócrita de uma família do crime de terceira categoria e, como tal, gosta de ordenar assassinatos de uma distância segura. É uma pústula rançosa no traseiro de regimes sórdidos - da Arábia Saudita ao Sudão e ao Afeganistão - com os quais não teve mais que uma relação parasitária. Chamá-lo de guerrilheiro ou insurgente é um insulto à bravura dos heróis populares. A maioria de suas vítimas tem sido de companheiros muçulmanos e seu palavreado contra todos os cristãos, todos os judeus, todos os hindus e todos os secularistas o condena à eventual irrelevância, derrota e também desgraça.

Fazemos um favor a Bin Laden especulando febrilmente sobre seu paradeiro. Sua mística deveria ser diminuída, e não reforçada, pelo fato de ele ter se tornado um fugitivo. É aflitivo perceber que Bin Laden foi incubado dentro, e não fora, do perímetro de nossas supostas alianças, e que ele provavelmente ainda conta com um grau de proteção na Arábia Saudita e no Paquistão.

Mas o confronto com a jihad seria inevitável com ou sem ele. Se Bin Laden fosse capturado agora pelas forças americanas, e não fosse a necessidade de fazer justiça para todas as vítimas de 11 de setembro de 2001 - e o pessoal do complexo da ONU em Bagdá, os visitantes australianos de Bali e os passageiros dos trens de Madri -, eu preferiria vê-lo confinado pelo resto da vida numa cidadezinha no Alasca, Montana ou Virgínia rural, com um rádio de ondas curtas por meio do qual continuasse a fazer seus sermões. Aprenderíamos rapidamente - como fizemos com o patético Zacarias Moussaoui - a superar nosso medo sufocante dessas aberrações.

Às vezes me permito uma inquietante reflexão adicional. E se, em 11 de setembro de 2001, ele fez um favor a todos nós? O pensamento é obsceno, mas precisa ser encarado. Até aquela data, o conluio entre o Taleban e as autoridades paquistanesas não era nem sequer sub-reptício, mas caloroso e imperturbado. Havia simpatizantes da Al-Qaeda até mesmo no programa nuclear paquistanês. Em outros lugares do mundo, forças islâmicas promoviam infiltrações discretas e sub-reptícias da Holanda à Indonésia. No entanto, há cinco anos, o complô foi "explodido", a máscara foi arrancada e anticorpos começaram a se criar em nossos sistemas.

Onde quer que Bin Laden esteja agora escondido, gravando suas fitas de áudio cada vez mais esquisitas, não pode ser onde ele sonhou estar quando deu risada ao ver seres humanos saltando para a morte com as roupas e os cabelos em chamas. E onde quer que ele esteja em termos de espaço, em termos de tempo ele está no século 7. Não negligenciemos esta vantagem.

Muito depende de nossa capacidade de negar uma ideologia que celebra, com satisfação maligna, a morte acima da vida.Trata-se de um projeto militar e também cultural. E impõe uma obrigação nobre. Nenhuma ação precipitada ou cruel pode ser adotada no lado da vida acima da morte. Não podemos nos comportar como se estivéssemos aterrorizados por este personagem depravado, pois o medo é o pai do pânico - e de "medidas extremas". Nossos crimes e erros são deformações, mas os dele são assinaturas. No entanto, ao contrário dele, não estamos com pressa, pois um retorno ao século 7 é impossível e a derrota de seus avatares é certa.