Título: A nova geração de bispos do Brasil
Autor: Mayrink, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2006, Vida&, p. A29
O perfil do episcopado católico brasileiro está mudando, em ritmo acelerado, com a aposentadoria e a morte dos bispos da ala mais avançada da Igreja que se projetaram na política e na pastoral desde os tempos do regime militar. Os últimos representantes dessa fase - a maioria deles nomeada pelos papas João XXIII e Paulo VI - estão saindo de cena sem deixar sucessores que tenham a mesma visibilidade.
O desaparecimento de figuras como d. Luciano Mendes de Almeida (Mariana-MG), que morreu em 27 de agosto aos 75 anos, ainda à espera da designação de um substituto, deixa um vazio que o Vaticano terá dificuldade em preencher. O nome que vem sendo indicado para a vaga é o de d. Odilo Scherer, auxiliar da Arquidiocese de São Paulo e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Os cardeais d. Eugenio Sales (Rio), d. Paulo Evaristo Arns (São Paulo) e d. Aloísio Lorscheider (Aparecida), que renunciaram ao governo de suas dioceses por limite de idade, continuam sendo referência obrigatória, mas com discrição. Como bispos eméritos (aposentados), eles se mantêm em segundo plano para não fazer sombra aos titulares. Mesmo em São Paulo, onde o cardeal-arcebispo d. Cláudio Hummes impôs seu prestígio desde que tomou posse, em 1998.
Historiadores que acompanham a evolução da Igreja no Brasil, da crise que se seguiu ao Concílio Ecumênico Vaticano II até a agitação da Teologia da Libertação e às regras impostas por João Paulo II, interpretam a falta de novos líderes no horizonte eclesiástico como resultado das mudanças ditadas por Roma. A debandada de um terço do clero nos anos 70, quando 4,5 mil dos 12 mil padres brasileiros abandonaram suas funções, se refletiu na escolha de bispos nas décadas seguintes.
SEXAGENÁRIOS
"Deixaram o ministério sacerdotal as melhores cabeças, as melhores vocações, e com isso Roma ficou sem muita opção", observa o padre José Oscar Beozzo, teólogo e especialista em história eclesiástica da América Latina. Conseqüência: em vez de escolher bispos mais jovens como ocorria anteriormente - d. Eugenio Sales chegou ao episcopado aos 33 anos - o papa passou a nomear sexagenários, "homens mais experientes, mas já sem muito ânimo para enfrentar uma diocese".
Não foi só falta de opção. João Paulo II investiu em um novo tipo de episcopado, sobrepondo o aspecto espiritual ao social. Numa época em que freava os "exageros" da Teologia da Libertação - só admissível enquanto não usasse instrumentos marxistas na evangelização - o papa escolhia a dedo candidatos de indiscutível fidelidade à doutrina e às orientações de Roma. Dos 198 bispos nomeados por ele entre 1978 e 2005, a imensa maioria se enquadrava nessa linha.
João Paulo II - e, por delegação dele, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI - não admitia contestações em matérias como moral sexual, celibato dos padres, ordenação de homens casados, admissão de mulheres ao sacerdócio, aborto, divórcio e união civil entre homossexuais. Alguns bispos - como o cardeal Lorscheider, favorável à ordenação de homens casados - que tentaram discutir esses temas foram censurados pelo Vaticano.
ALEGRE E MENOS CRÍTICA
"Hoje, fala-se mais à emoção, sem o mesmo destaque para problemas sociais", observa o padre jesuíta João Batista Libânio, professor da Faculdade Teológica dos Jesuítas, em Belo Horizonte. "Continua a opção pelos pobres (da Teologia da Libertação), mas é uma opção menos ideológica e mais assistencialista", acrescenta Libânio, lamentando a morte de bispos como d. Luciano e d. Hélder Câmara, "homens preparados e abertos".
A Igreja tornou-se mais alegre, uma comunidade de louvor e oração, "sem o ranço crítico do passado". A maioria dos bispos nomeados por João Paulo II aderiu a essa realidade ou, pelo menos, curvou-se por obediência às imposições de Roma, mesmo discordando dela. Quem ousou discordar em público foi convidado a se calar. No caso do cardeal Arns, que mais de uma vez criticou a Cúria Romana, embora poupasse a figura do papa, a reação foi o desmembramento da Arquidiocese de São Paulo, em 1989, com perda de território e poder.
A nomeação de d. Luciano para Mariana, quando se esperava sua transferência para Salvador, onde seria elevado a cardeal, enquadra-se na mesma linha. Seu nome chegou a ser confirmado para a Bahia, em 1987, mas, na última hora, o nomeado foi d. Lucas Moreira Neves. Em 1992, d. Luciano questionou e alterou a orientação imposta pelo Vaticano na 4ª Conferência do Episcopado Latino-Americano de Santo Domingo, em 1992, quando era presidente da CNBB.
Em 2004, o Vaticano ofereceu a d. Luciano a Arquidiocese de Brasília, onde também poderia chegar a cardeal. Seria uma reparação de supostas injustiças (ele foi preterido outra vez, quando os bispos da Amazônia sugeriram sua nomeação para Manaus). O arcebispo agradeceu e recusou, alegando que não gostaria de interromper seu trabalho pastoral em Mariana.
ESPERANÇA
Citando como exemplos d. Hélder, de Olinda e Recife, e d. Antônio Fragoso, de Crateús, ambos falecidos, e bispos aposentados como d. Cândido Padin (Bauru), d. Benedito de Ulhôa Vieira (Uberaba) e d. José Maria Pires (Paraíba), o professor Ênio Brito, do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, lamenta que a América Latina, e não apenas o Brasil, esteja perdendo os grandes mestres do passado.
"Vamos ver se Bento XVI escolhe gente mais nova e mais aberta", é essa a expectativa do professor, de olho na lista de 26 bispos nomeados nos últimos 15 meses pelo papa atual. Há pelo menos uma novidade: a maioria dos escolhidos está nas faixas de 40 e 50 anos de idade. Como estão ainda começando, nenhum deles teve tempo para sobressair-se no trabalho.
Entre os novos titulares de dioceses de áreas de conflito, onde a Igreja atuou em defesa de índios e posseiros, há algumas surpresas. Padre Beozzo cita dois exemplos de bispos que continuaram na linha de seus antecessores: d. Eugène Rixen, que sucedeu d. Tomás Balduíno na diocese de Goiás (GO) e d. Leonardo Steiner, sucessor de d. Pedro Casaldáliga na prelazia de São Félix (MT).
O sociólogo Pedro Assis Ribeiro de Oliveira, ex-assessor da CNBB para as Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), acrescenta a esses nomes outros bispos "de excelente qualidade", como d. Adriano Ciocca Vasino, de Floresta (PE) e d. Sérgio Eduardo Castriani, de Tefé (AM). Outra figura unânime quando se fala em novos líderes é d. Luiz Flávio Cappio, o bispo de Barra (BA), que, no ano passado, fez greve de fome, ou jejum, em protesto contra o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.
Entre bispos que nos anos passados tiveram influência no episcopado, destacam-se d. Demétrio Valentini (Jales-SP), d. Geraldo Lyrio (Vitória da Conquista-BA), d. Moacyr Grechi (Porto Velho-RO) e d. Erwin Kr¿utler (Prelazia do Xingu-PA) - este último ameçado de morte pelo seu envolvimento em conflitos de terra em defesa de posseiros.
Outros membros do episcopado de projeção estão a dois anos da idade-limite para a aposentadoria (75 anos), pelas normas do Direito Canônico. É o caso do presidente da CNBB, cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador, e do vice-presidente da entidade, d. Antônio Celso de Queirós, de Catanduva (SP), de d. Angélico Bernardino, de Blumenau (SC). D. Cláudio, de 72 anos, tem mais três pela frente.