Título: 'Morte' da inflação abre espaço para o Brasil voltar a crescer
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/09/2006, Economia, p. B1

O velho dragão da inflação está morto. O veredicto foi reforçado na semana passada, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o resultado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado pelo governo em seu sistema de metas. Em agosto, a inflação foi de 0,05%, acumulando 1,78% no ano. A avaliação unânime dos analistas é que a inflação de 2006 ficará abaixo da meta de 4,5%. Melhor: deve ficar na casa dos 3% a 4% pelo menos até 2010.

Com isso, abre-se espaço para seguir com o corte de juros e, assim, animar a economia real, afrouxando uma das amarras ao crescimento econômico. Sem esquecer que há ainda outros dragões que precisam ser combatidos como o alto gasto público, a falta de investimentos em infra-estrutura, a elevada carga tributária e os juros reais elevados.

"A inflação está morta. Não vou falar sobre cadáveres", diz o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida. "A inflação foi derrotada definitivamente", concorda o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria.

Há, porém, controvérsias quanto as chances de recuperação da inflação. O coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe), Paulo Picchetti, acha que há muito a comemorar, mas é cedo para dizer que o Brasil está livre do problema.

Ele alerta que, se a economia internacional entrar em crise, a inflação poderá voltar. E não é possibilidade distante. O Fundo Monetário Internacional, em documento a ser divulgado esta semana, deve dizer que as chances de desaceleração no crescimento mundial são mais fortes hoje que em qualquer outro momento desde os ataques terroristas de 2001.

Para o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, a inflação está apenas morna, mas goza de boa saúde. Ele acha que o próprio governo a mantém viva quando permite o aumento das despesas públicas. "A inflação se alimenta de desequilíbrios macroeconômicos e esse é um deles."

Ninguém discorda, porém, que a inflação está controlada como há décadas não se via no Brasil. Picchetti explica que a queda foi ajudada por uma série de fatores, principalmente o dólar barato, que reduziu os custos da importação. Ao mesmo tempo, produtores agrícolas viram pouca vantagem em exportar e, não tendo condições financeiras de manter estoques, despejaram a produção no mercado interno, baixando ainda mais os preços dos alimentos. A inflação despencou.

O dólar barato teve ainda outro efeito: ajudou a baixar os preços no atacado, onde se concentram as importações. O atacado, por sua vez, influencia o Índice Geral de Preços (IGP), usado para corrigir as tarifas de eletricidade e telefonia, por exemplo. Resultado: em 2005 e 2006 os preços públicos tiveram até reajuste negativo.

O fenômeno que ocorreu com o IGP e os preços públicos inverteu o giro da espiral inflacionária, segundo Picchetti. Até dois anos atrás, o IGP fazia subir as tarifas, que faziam subir a inflação e assim havia um ciclo que puxava tudo para cima. Agora, o IGP caiu, as tarifas caíram, a inflação foi para baixo e assim sucessivamente.

INÉRCIA

Quebrou-se o que os economistas chamam de inércia inflacionária, um conjunto de mecanismos e regras que ajudam a inflação a se perpetuar. Esse é o fenômeno para o qual o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, chamou atenção na entrevista que deu ao Estado no fim de agosto. Ele disse que o País vive momento inédito, de romper com a inércia inflacionária, abrindo a perspectiva de estabilidade de preços por um longo período. Manter a inflação "consistentemente dentro da meta" por muito tempo é, na avaliação de Meirelles, a única forma de baixar juros até os níveis de países desenvolvidos.

É, porém, um fenômeno que ainda precisa amadurecer. Na sexta-feira, o BC divulgou a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária, quando o juro caiu para 14,25%, um corte de 0,5 ponto porcentual. No documento, os diretores do BC informam que foi analisada a possibilidade de cortar o juro em apenas 0,25 ponto, mas optou-se por 0,5 porque os dados mais recentes da economia eram favoráveis.

Deixam claro, porém, que podem frear a queda dos juros a qualquer momento, porque estão preocupados com o aumento do consumo e conseqüente aceleração da inflação. Ela seria provocada por dois movimentos: o próprio corte de juros, que leva tempo para se refletir na economia real, e os chamados impulsos fiscais, injeções de dinheiro a partir dos cofres públicos como aumento do salário mínimo, Bolsa-Família e gastos do setor público em investimentos, tradicionalmente maiores em ano eleitoral.