Título: EUA estudam usar controle da mente e da emoção como arma não-letal
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2006, Internacional, p. A24
As Forças Armadas dos Estados Unidos estão investindo bilhões de dólares na pesquisa de neuroarmas e outros armamentos não-convencionais. Aparelhos de ressonância magnética para detectar mentiras, medicamentos que mantêm soldados acordados por quatro dias, pílulas anticulpa, bombas sonoras e de fedor, e drogas para conseguir confissões ou confundir o inimigo são só algumas das inovações em estudo pelo Pentágono. O objetivo é usar biologia e neurologia para ¿tornar os combatentes mais fortes, mais alertas, mais resistentes e com maior capacidade de curar seus ferimentos¿ e ¿controlar a mente a distância¿, disse em relatório recente Tony Tether, diretor da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa (Darpa, na sigla em inglês).
A Darpa é o posto avançado do Departamento de Defesa para pesquisas de ponta. Foi ela que desenvolveu o radar terrestre, o Stealth Fighter (avião invisível ao radar) e os veículos aéreos sem tripulação usados no Afeganistão. Mais do que isso, a Darpa foi pioneira no desenvolvimento do mouse e da internet - chamada de Darpanet (ou Arpanet) em seus primórdios.
Desde 2001, a Darpa está focando os seus recursos no desenvolvimento de armamentos não-convencionais usando a neurologia. ¿São armas que usam o sistema nervoso central de alguma maneira¿, explica Jonathan Moreno, autor do livro Guerra da Mente: Pesquisas Neurológicas e Segurança Nacional, que acaba de ser lançado nos EUA. Jonathan é professor de Ética Médica e História da Ciência da Universidade da Pensilvânia e foi integrante de duas comissões de ética do governo.
Um dos principais campos de pesquisa são as armas não-letais. A mais famosa, testada em campo pelo Pentágono desde 2004, é o Active Denial System (sistema ativo de negação). Esse dispositivo emite ondas de energia eletromagnética que causam dor cortante em humanos, mas não deixam danos físicos. Quando atingida pelos raios, a pessoa tem a sensação de estar sendo queimada. A Raytheon entregou ao Exército, em 2005, um protótipo de Humvee - modelo de jipe blindado - equipado com ADS.
Segundo o Pentágono, a idéia dessas armas não-letais é ¿incapacitar pessoas ou material, enquanto se minimizam as fatalidades, ferimentos ou danos indesejados à infra-estrutura e ao meio ambiente¿. Outras armas não-letais sendo testadas pelos militares americanos são balas que se desintegram no ar, espalhando substâncias paralisantes, e uma gosma que prende as pessoas no lugar.
BALA SÔNICA
Os militares também estão estudando armas sonoras. O Exército já programou a instalação dos chamados ¿equipamentos acústicos de longo alcance¿ nos tanques Stryker que serão enviados ao Iraque. Esses equipamentos emitem avisos sonoros que têm alcance de mais de 300 metros e serão usados para manter a ordem em aglomerações e locais de insurgência no Iraque. Já o Hida (equipamento acústico direcionado de alta intensidade) é mais agressivo: produz uma bala sônica que causa uma dor tão intensa a ponto de provocar vômitos. Não deixa seqüelas.
Outra linha de pesquisa são as ¿bombas de fedor¿. Os pesquisadores começaram testando bombas com cheiro de fezes. Mas, segundo um texto do Exército, essa bomba ¿não foi eficiente porque pessoas de muitos países não se incomodam com o cheiro de fezes, já que ele é muito presente¿. Os pesquisadores estão agora em busca de um mau cheiro que seja ¿ofensivo¿ para pessoas de qualquer lugar do mundo. Eles estão testando em voluntários de vários países uma série de odores, entre eles vômito, esgoto e cabelo queimado.
Muitas armas não-letais, apesar de receberem essa denominação, não são totalmente seguras. Em outubro de 2002, a polícia russa usou o opiáceo fentanil durante a repressão a um ataque de terroristas chechenos, que mantinham mais de 700 reféns num teatro de Moscou. O fentanil é um gás anestésico. O objetivo era adormecer os terroristas ou deixá-los em estado de confusão mental - o que possibilitaria a invasão do teatro pelas forças de segurança. Na ação, 128 pessoas - entre reféns e todos os seqüestradores - acabaram morrendo porque a dose do gás foi elevada e a polícia não havia informado os hospitais sobre como reverter os efeitos.
O Pentágono também está testando o uso de fentanil em situações que envolvem reféns. Moreno adverte que muitas dessas armas devem esbarrar em tratados internacionais que proíbem armas químicas.
LEITURA DO CÉREBRO
Aparelhos que analisam a atividade cerebral e as emoções são alvo de várias pesquisas. O aparelho de ressonância magnética funcional, que detecta o nível de atividade dos neurônios em cada parte do cérebro, é uma das grandes promessas. Esse aparelho poderia indicar as áreas do cérebro que ficam mais ativas quando as pessoas mentem, por exemplo.
¿Antes, só Deus tinha acesso a nossos pensamentos; daqui a pouco, o Exército estará usando informações obtidas diretamente do cérebro das pessoas¿, diz Paul Root Wolpe, professor de psiquiatria da Universidade da Pensilvânia. ¿Será que é legítimo violar a privacidade do cérebro das pessoas?¿
¿Neste momento em que discutimos a legitimidade de programas secretos de detenção e grampos telefônicos não autorizados, é assustador saber que o Pentágono está investindo nessas armas¿, diz P.J. Crowley, diretor de Segurança Nacional do Centro para o Progresso Americano, um grupo de estudos de centro-esquerda.
Para Moreno, é legítimo usar os avanços da ciência para defender o país de uma ameaça como o terrorismo. ¿Precisamos encontrar novas maneiras de agir nessa batalha assimétrica contra células terroristas¿, diz ele. ¿Mas os perigos de usar neurociências no desenvolvimento de armas são enormes.¿ Moreno conta que toda semana recebe ligações de pessoas que acreditam que a CIA está controlando a mente delas. ¿Não acredito nessas teorias conspiratórias, se isso existisse, já teria vazado. Mas, dado o enorme interesse da Darpa por monitorar cérebro e drogas que alteram comportamento, há motivos para preocupação; daqui a pouco, pode haver razão para paranóia.¿