Título: 'Envio de forças de paz africanas eleva tensão'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2006, Internacional, p. A27

O conflito na Somália é tão intrincado que a decisão do Conselho de Segurança da ONU de enviar forças de paz africanas ao país só deve piorar a situação. ¿A força de paz teria como objetivo prioritário assegurar apoio ao governo provisório, que é impopular, ou seja, sua missão só vai tornar o risco de uma guerra mais iminente¿, disse ao Estado o americano David Smock, vice-presidente do Centro para Mediação e Resolução de Conflitos, do Instituto da Paz, nos Estados Unidos.

Além de aprovar a criação de uma força de paz, o Conselho de Segurança determinou no último dia 7 a suspensão temporária do embargo de armas ao país - uma forma de contrabalançar o suposto envio de armamento de países islâmicos, como Síria e Irã, para a União das Cortes Islâmicas. A denúncia foi feita num relatório preparado pela própria ONU e que foi recebido com desconfiança por vários especialistas.

¿É bem provável que a milícia muçulmana esteja recebendo apoio de países islâmicos e que o grupo tenha alguma ligação com a Al-Qaeda, mas nada ainda foi provado¿, disse o americano Robert Rotberg, especialista em Políticas Públicas na Universidade de Harvard e presidente da World Peace Foundation.

Outros analistas ouvidos pelo Estado questionam a confiabilidade das informações contidas no relatório da ONU. ¿Algumas denúncias, especialmente o alegado envolvimento de mais de 720 somalis com o Hezbollah e o interesse iraniano em trocar urânio com a milícia somali, são imprecisas e devem ser tratadas com cautela¿, disse Matt Bryden, consultor do Grupo de Crise Internacional, um instituto de pesquisas americano.

Para os especialistas, a comunidade internacional deveria mudar de estratégia e promover o diálogo entre o governo provisório e a milícia muçulmana . ¿É a melhor maneira de prevenir a `talebanização¿ da Somália¿, afirma Rotberg, referindo-se ao regime fundamentalista islâmico que governou o Afeganistão entre 1996 e 2001.

Dois fatores contribuem para a crescente popularidade da União das Cortes Islâmicas. O primeiro é o histórico de rivalidade entre a Somália e a Etiópia. Os dois países já travaram uma guerra entre 1977 e 1978 pela região de Ogaden, no leste da Etiópia - e os somalis perderam.

O segundo fator é o apoio americano ao país vizinho. Os EUA estão por trás da resolução do Conselho de Segurança de criar uma força de paz africana e levantar o embargo de armas - medidas que só favorecem o governo provisório. O apoio da Casa Branca não é apenas político. Recentemente, o general John Abizaid, chefe do Comando Central das Forças Armadas americanas, visitou o primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi. Embora Abizaid tenha advertido que um conflito com a Somália iria provocar um êxodo da população, evitou pedir a retirada das tropas etíopes do país vizinho.

Segundo autoridades americanas, os Estados Unidos têm contribuído discretamente para armar o Exército da Etiópia, tornando-o um dos mais fortes da região. Diante da escalada de tensão, restam dois cenários possíveis. O primeiro, o de um conflito semelhante ao do Iraque. O segundo, talvez, pior, com participação direta de vários países vizinhos - como a da recente guerra que devastou o Congo, que deixou 4 milhões de mortos.