Título: Crédito e salário devem manter o fôlego dos bens de consumo
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2006, Economia, p. B3

A expansão do crédito e o aumento da massa salarial vão ditar os rumos da indústria no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de quatro anos em que o fato mais marcante foi o crescimento acelerado das exportações e das importações. A taxa básica de juros, a Selic, já caiu pela metade desde o seu pico em fevereiro de 2003: de 26,5% para 13,25%. O volume de crédito na economia subiu 9 pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB), de 24,2% para 33,1%, entre dezembro de 2002 e outubro de 2006.

O coordenador de Indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sílvio Sales, explica que o crescimento do crédito é responsável pelo bom desempenho dos bens de capital e dos bens de consumo duráveis, como carros, eletroeletrônicos e computadores. Os bens duráveis cresceram a um ritmo anual de 10,5% do início de 2003 até outubro de 2006, muito acima da média de 3,55% da indústria.

Já os bens não-duráveis e semiduráveis, como alimentos e roupas, tiveram uma expansão média anual de apenas 1,55% ao longo do primeiro mandato. Esses segmentos são menos dependentes do crédito e mais da massa salarial, que se recupera mais lentamente ao longo de um ciclo de aquecimento da economia. 'O salário médio ainda não superou o nível de 2002', observa Sales. Mas a perspectiva é de que cresçam moderadamente no segundo mandato. Aurélio Bicalho de Almeida, economista do Itaú, nota que a maior inclusão social, com os programas de transferência de renda e as melhoras no mercado de trabalho, favorece os bens não-duráveis e semiduráveis.

Na área externa, as exportações (em quantidades) aumentaram 57,8% de 2003 a outubro de 2006, e as importações cresceram 40%, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). As trajetórias, porém, foram muito diferentes, e refletem a grande mudança dos indicadores econômicos ao longo do primeiro mandato, que começou com juros altíssimos, câmbio desvalorizado e risco Brasil elevado e termina com a Selic (taxa básica) em queda, real valorizado e um nível de solidez e estabilidade das contas externas praticamente inédito na história do País.

Em 2003, as importações (em quantidade) recuaram 3,74%, em conseqüência do arrocho monetário para conter a crise iniciada em 2002, que levou o PIB a crescer apenas 0,5%. Já as exportações, estimuladas pela grande desvalorização do câmbio, dispararam com um crescimento de 15,6%. Em 2004, o ano dourado da indústria no governo Lula, as exportações cresceram 19,22% e as importações, 18,12%. O ritmo vibrante de internacionalização produtiva foi desbalanceado pela valorização cambial iniciada em 2004. Em 2006, as importações cresceram 16,8% até outubro, comparado com apenas 4,7% para as exportações.

A indústria chega ao fim do primeiro mandato de Lula sob a pressão de dois fatores derivados do setor externo: os fabricantes nacionais de produtos vulneráveis ao câmbio e a competição chinesa estão numa situação cada vez mais difícil e os setores voltados à exportação já não conseguem puxar a atividade industrial e o PIB.

AUTOMÓVEIS

Nesse cenário, a demanda nacional, que já vem crescendo, é vista por muitos setores industriais como a saída para viabilizar o crescimento e justificar os investimentos, já que poucos analistas esperam alguma mudança no nível valorizado do câmbio. 'O mercado nacional deve crescer 12% este ano e tem capacidade para puxar o crescimento', diz Rogelio Golfarb, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

A indústria automobilística é um típico exemplo de setor que foi puxado pelo mercado externo no início do governo Lula, esbarrou na sobrevalorização cambial no meio do mandato e agora está navegando a onda da aceleração da demanda doméstica. Segundo Golfarb, o setor - que fatura R$ 86 bilhões por ano e, junto com autopeças, responde por 15% do PIB industrial - vai crescer 10% na média dos últimos anos, com uma desaceleração para 4,3% em 2006. As exportações estão em queda, e o resultado positivo é sustentado pela produção para o mercado nacional.

'É preciso que o PIB cresça nos próximos anos num ritmo mais veloz do que o atual para dar competitividade à indústria brasileira', diz Golfarb.

De acordo com os dados do IBGE, o setor industrial com melhor desempenho durante os quatro primeiros anos do governo Lula foi o de bens de capital, que cresceu 33,6%, em uma média anual de 7,5%, mais que o dobro do desempenho da indústria. Sales, do IBGE, observa que o crescimento dos bens de capital esteve concentrado na indústria de informática, em equipamentos para energia elétrica e equipamentos para transporte. 'Os bens de capital industriais tiveram comportamento positivo, mas abaixo do total da categoria', diz, acrescentando que parte da demanda por máquinas e equipamentos foi suprida em importações.

COMPUTADORES

Sales nota ainda que os bens de capital, pela norma internacional, incluem os microcomputadores, que estão no segmento industrial brasileiro de mais forte expansão no governo Lula: o item máquinas para escritório e equipamentos de informática cresceu 157,9% no período de 2003 a outubro de 2006, numa média de 26,73% ao ano. Segundo a consultoria IT Data, 8,9 milhões de micros serão vendidos no Brasil em 2006, num salto de 47% em relação ao ano anterior.

Os micros são mais um exemplo de setor beneficiado pelo câmbio que barateia a importação de componentes. Outro estímulo ao segmento veio da 'MP do Bem', que acabou com o PIS e a Cofins dos micros no varejo. 'O mercado passa por um momento muito interessante, o varejo explodiu e o mercado corporativo acompanhou', disse recentemente Gilberto Marangão, gerente de Marketing e Desenvolvimento de Negócios da Divisão de Informática da CCE, que começou a fabricar computadores em março e chegou ao segundo lugar no mercado.

Outro setor que deve puxar a demanda interna é a construção civil, que começou a se recuperar no final do primeiro mandato de Lula. O segmento teve um desempenho muito ruim de 2003 a 2005. Segundo a pesquisa de produção industrial do IBGE, os insumos da construção civil tiveram queda de 6,05% em 2003, cresceram 5,73% em 2004 (abaixo dos 8,3% da produção industrial) e apenas 1,29% em 2005. Mas em 2006, os insumos estão crescendo 5,05% até outubro, acima dos 2,92% da indústria como um todo.

INVESTIMENTOS

Em termos de investimentos, o Brasil está em boa situação para aumentar a produção industrial ao longo do segundo mandato de Lula.

Fernando Puga, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), menciona um mapeamento de investimentos das empresas em diversos setores que somou R$ 380 bilhões entre 2007 e 2010, o que significa um ritmo de crescimento anual de 13%.