Título: Lula tenta evitar 'maldades' na reta final do pacote
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2006, Economia, p. B4

Depois de muitas idas e vindas, o pacote com o programa econômico do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva entra em sua reta final. A expectativa é que as medidas sejam apresentadas ao Conselho Político, formado pelos partidos da base de apoio do governo, e divulgadas na quinta-feira. São cortes nos impostos para estimular o investimento privado e medidas para fortalecer o investimento público, num conjunto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva considera adequado para levar a economia brasileira ao crescimento de 5% ao ano.

Em seu programa mais imediato, Lula procurou passar ao largo de sacrifícios e optou por medidas de gestão para controlar as despesas públicas. Num segundo momento, o governo planeja encaminhar ao Congresso propostas mais impopulares para controlar o crescimento da despesa pública - as chamadas 'maldades'.

Melhoria na gestão será o remédio aplicado, pelo menos por enquanto, à maior despesa da administração federal: a Previdência Social, que deverá fechar este ano com um rombo de R$ 42,5 bilhões. Segundo o ministro da Previdência, Nelson Machado, essa cifra é R$ 7,5 bilhões menor do que o déficit previsto no início do ano. Essa redução do déficit foi obtida à custa de combate às fraudes e controle das despesas no dia-a-dia.

O presidente Lula até admite a possibilidade de uma reforma constitucional da Previdência, mas 'para a próxima geração' e sem alterar os direitos dos trabalhadores que já contribuem para o sistema. A estratégia, debatida ainda na campanha à reeleição, é o governo não enviar uma proposta ao Congresso, pois levantaria resistências da oposição. A idéia é levar a questão a debate em um conselho formado por representantes da sociedade e só encaminhar uma proposta se houver consenso e apoio do conselho.

Durante toda a preparação do pacote, em vez de discutir as 'maldades', Lula quis priorizar a discussão de medidas para estimular os investimentos públicos e privados. O verbo 'destravar', aplicado ao crescimento econômico, é repetido a cada discurso que ele faz.

Uma lista de cerca de 50 obras prioritárias em infra-estrutura foi escolhida para liderar o 'destravamento' da economia. Para garantir que elas terão um tratamento diferenciado, suas verbas não poderão ser retidas (contingenciadas) pelo Tesouro. Além disso, cada obra terá um gestor próprio, que se dedicará a garantir que ela avance. É um modelo muito parecido com o programa Avança Brasil, do governo Fernando Henrique, que tinha 42 projetos prioritários com um gerente cada um e, tal como o programa em preparação no governo, selecionou obras que criam 'corredores' entre as regiões produtoras e os portos.

Para afastar o maior fantasma da infra-estrutura nos próximos anos, o perigo de um novo apagão de energia elétrica, o governo aposta suas fichas na Eletrobrás. A estatal deverá ser autorizada a captar empréstimos no Brasil e no exterior, e dessa forma 'turbinará' os investimentos no setor, exercendo na eletricidade o mesmo papel que a Petrobrás exerce em petróleo e gás. A estimativa é que a Eletrobrás capte R$ 20 bilhões, que seriam utilizados para participar como sócia minoritária de investimentos do setor privado. O dinheiro seria suficiente para alavancar projetos de R$ 40 bilhões a R$ 45 bilhões.

O pacote ainda dará isenção de Imposto de Renda aos fundos privados de investimento em infra-estrutura. A estimativa da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib) é que eles captem perto de R$ 70 bilhões, competindo com as aplicações em fundo de renda fixa.

Haverá, ainda, R$ 5 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para financiar projetos em infra-estrutura. Finalmente, a Caixa Econômica Federal ganhará um fôlego extra de R$ 2,4 bilhões para financiar projetos de saneamento de prefeituras.

SALÁRIOS

As medidas que serão anunciadas na próxima semana são brandas no controle de gastos. A idéia inicial do governo era criar um redutor para o gasto público, obrigando as despesas a ficarem sempre 0,2% menores do que a alta do Produto Interno Bruto (PIB). A idéia não agradou nem a Lula nem à coordenadora do pacote, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e foi abandonada.

Os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, ainda insistiram em substituir o redutor por regras que desacelerem o crescimento das principais despesas do governo: Previdência, folha de pagamentos do funcionalismo e saúde. Dessas, só a regra para gastos com pessoal deve integrar o pacote da próxima semana. As demais 'maldades' foram adiadas.

A idéia de conter os gastos com saúde, obrigando as verbas a terem reajustes menores do que o crescimento do PIB, só será proposta no ano que vem. Segundo Paulo Bernardo, a regra ainda precisa ser negociada com Estados e municípios, que também a aplicarão. Qualquer que seja a proposta, ela enfrentará dura resistência da 'bancada da saúde' do Congresso.

Da mesma forma, uma regra permanente para o reajuste do salário mínimo não deverá integrar o pacote, porque está pendente de negociações com as centrais sindicais. Uma política de longo prazo para o mínimo permitiria vislumbrar com maior clareza o futuro das contas da Previdência.

Resta a norma para conter a folha de salários do funcionalismo público. O governo pretende propor que os reajustes sejam equivalentes à inflação - medida pelo IPCA ou pelo INPC, esse ponto ainda não está claro - mais um aumento real de 1,5%. A aplicação dessa norma exigirá uma negociação delicada, porque valerá para Executivo, Legislativo e Judiciário.