Título: Municípios barram o avanço dos canaviais
Autor: Salvador, Fabíola
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2006, Economia, p. B10

Impulsionada pelo aumento da produção de álcool, a expansão da cultura da cana-de-açúcar assusta autoridades de algumas novas regiões produtoras. A prefeitura de Rio Verde, importante pólo de produção de grãos no sudoeste de Goiás, sancionou uma lei que limita o cultivo de cana a 10% da área agricultável do município. Vereadores de Dourados, no sul do Mato Grosso do Sul, também estudam estabelecer um teto para o plantio e a cidade pode ter uma lei nesse sentido em abril do próximo ano.

Três motivos levaram esses dois municípios do Centro-Oeste, região que responde por 29,5% do plantio de grãos na safra 2006/07, a virar as costas para o setor sucroalcooleiro que, na avaliação de Antonio Donizeti Beraldo, assessor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), pode ultrapassar, em 2007, o setor de carnes e assumir o segundo lugar no ranking de produtos agrícolas mais exportados pelo Brasil, perdendo apenas para o complexo soja.

A primeira questão é econômica. 'Na região, há milhares de pequenos e médios produtores que vivem da diversidade agrícola, com o plantio de milho e soja, da pecuária e da criação de aves e suínos. A cana é um modelo concentrador de renda, ou seja, os lucros ficam com poucos', argumentou o vereador Elias Ishy (PT) de Dourados, que apresentou o projeto para limitar a 10% a área destinada à cana no município.

Em Dourados, a área agricultável é de cerca de 350 mil hectares, ou seja, se o projeto for aceito, a cana pode ocupar no máximo 35 mil hectares. Hoje, a única usina local é cercada por dois mil hectares de cana, mas a previsão é que essa unidade absorva a produção de 30 mil hectares quando a construção da unidade for concluída. Ishy disse estar preocupado com a 'invasão' da cultura no Mato Grosso do Sul. Hoje, segundo o vereador, são 9 usinas instaladas no Estado, número que pode chegar a 30 se todos os projetos que foram anunciados saírem do papel.

Motivo semelhante influenciou a decisão do prefeito de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha (PP), de limitar o plantio de cana em 50 mil hectares, ou seja, 10% dos 500 mil hectares agricultáveis do município.

Desse total, 360 mil hectares estão ocupados com grãos. 'Até 50 mil hectares, o usineiro é muito bem-vindo. Acima disso, nós vamos ter problemas', afirmou.

Para ele, o dinheiro gerado pelo setor sucroalcooleiro some das regiões produtoras. 'A economia da cana não levanta o município. Os cortadores vêm do Nordeste e não gastam nada no município porque recebem, no máximo, uma cesta básica. O proprietário também não gasta na região', resumiu. Mas o prefeito ressalta que não é contrário à atividade sucroalcooleira. 'Não sou contra as usinas. Sou contra a monocultura e a ocupação territorial da cana', afirmou. 'A cana tira a multiplicidade que o município precisa ter.'

A multiplicidade a que se refere o prefeito de Rio Verde pode ser traduzida em números. Uma unidade da Perdigão que está instalada na região abate 500 mil frangos e 3.500 suínos por dia e, segundo o prefeito, a perspectiva é de expansão. Também estão na região grandes empresas que recebem grãos, como a Cargill e a Comigo, entre outras. Por dia, essas empresas esmagam 6 mil toneladas de soja, disse Cunha. Os frigoríficos locais abatem mil animais por dia. Essas criações dependem da produção de grãos.

Além disso, há a economia que se movimenta em torno do campo. Rio Verde tem 7 revendas de veículos, 6 de caminhões, 15 de máquinas e equipamentos agrícolas e 12 agências bancárias. 'Como nós podemos colocar em risco tudo isso? Como nós vamos descartar essa economia para ter quatro ou cinco donos no município?', questionou o prefeito. Em 2005, o Produto Interno Bruto (PIB) do município somou R$ 2,75 bilhões, 'tudo ligado ao agronegócio'.

Mas nem só as questões econômicas foram colocadas na balança. O vereador de Dourados lembrou do impacto social da chegada dos canaviais. Ele disse que os usineiros argumentam que a chegada da cana vai gerar 63 mil postos de trabalho no Mato Grosso do Sul. 'Nós questionamos a qualidade dos empregos que são gerados pela atividade. A maior parte desses empregos não é qualificada. Se a cana resolvesse esse problema, não haveria desemprego no Nordeste. No caso da cana, o emprego é muito precário, muito ruim.'

Também há a questão ambiental, já que a queima da cana é uma prática que usualmente antecede o corte. Em Rio Verde, a queima da palha não é permitida em uma distância de 15 quilômetros da cidade. 'Na produção de álcool, sobra o vinhoto, que, às vezes, é usado como adubo. Estudos mostram que a substância pode contaminar o lençol freático', disse Cunha.

CRISE

Atingidos diretamente pela regra de restrição ao plantio de cana, os agricultores de Rio Verde concordam, em parte, com a nova lei. O presidente do Sindicato Rural do município, Bairon Araujo, lembrou que os produtores só avaliam a possibilidade de trocar as lavouras tradicionais pelos canaviais porque o setor de grãos passou por uma crise severa nos últimos anos.

'O sol nasceu para todos. Eu sou contra a cana invadir as áreas hoje cultivadas com soja, milho e sorgo, mas se ela for plantada em regiões degradadas, de pasto, eu sou favorável', afirmou. A área plantada com soja caiu 9% em 2006 e a da cana cresceu 17%. 'Queria uma lei mais branda. A cana não pode chegar e tomar conta', completou. Ele defende que o plantio de cana seja autorizado em 15% das áreas agricultáveis do município.