Título: A pensão de ex-governadores
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/12/2006, Notas e Informações, p. A3

Não são apenas os procuradores de Justiça, os desembargadores e os congressistas que reivindicam aumentos e regalias imorais, insistindo em furar os tetos salariais estabelecidos por lei. Um dos 13 governadores que deixarão o cargo no dia 1º de janeiro também fez o que pôde para tentar garantir uma boquinha à custa dos contribuintes, reivindicando a concessão de generosas pensões vitalícias.

Trata-se de José Orcírio Miranda, o Zeca do PT, governador de Mato Grosso do Sul. Após ter passado as últimas semanas pressionando a Assembléia Legislativa a lhe conceder uma aposentadoria de R$ 22,1 mil mensais pelo resto da vida, seu objetivo passou a ser garantir para sua mulher, quando ele morrer, o pagamento integral da pensão. O detalhe é que a pensão vitalícia a ex-governadores havia sido extinta há 17 anos no Estado.

Para um país com forte tradição cartorial, como o Brasil, a concessão de aposentadoria vitalícia a ex-governantes é uma aberração até certo ponto recente, que surgiu de um casuísmo do regime militar. Em 1969, quando o marechal Arthur da Costa e Silva sofreu uma isquemia cerebral e teve de ser afastado da Presidência da República, o Congresso incluiu na Constituição uma pensão a ser paga a ex-presidentes, no valor dos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Como era inevitável, a medida, que foi concebida apenas para beneficiar a viúva do marechal, dona Yolanda, acabou abrindo um precedente.

Desde então, vários Estados passaram a conceder aposentadorias e pensões vitalícias não só a ex-governadores, mas, também, às suas viúvas. Atualmente, das 27 unidades da federação, 17 pagam esse benefício, desembolsando, no total, cerca de R$ 3 milhões por mês. Sete Estados (AL, BA, MT, PE, PI, RJ e RN) extinguiram a concessão do benefício, mas os que foram beneficiados continuam ganhando até hoje. São Paulo, Amapá, Tocantins e Distrito Federal são os únicos Estados que não concedem aposentadorias a ex-governadores.

Como os valores das pensões e os critérios para recebê-las são fixados por leis estaduais, em vários Estados bastam alguns dias na chefia do Executivo para que um político que esteja na linha de sucessão do governador receba esse benefício pelo resto da vida. Os Estados com maior número de ex-governadores com aposentadoria vitalícia são Mato Grosso, com 17 beneficiados, e Paraíba, com 16 beneficiados. No Ceará, a Assembléia Legislativa extinguiu esse benefício em 1995, dada a repercussão negativa da concessão de aposentadoria vitalícia ao deputado que sucedeu por apenas 86 dias o então governador Ciro Gomes, que renunciou ao cargo para assumir o Ministério da Fazenda, no final do governo Itamar Franco. Sete anos mais tarde a aposentadoria vitalícia foi recriada para favorecer o governador Beni Veras, que era o vice de Tasso Jereissati e governou o Estado por nove meses.

O mais grave é que muitos dos ex-governadores e ex-prefeitos já acumulam outras aposentadorias com vencimentos integrais, por terem sido parlamentares, procuradores, promotores ou professores. Dois ex-governadores chegaram ao disparate de estar na folha de pagamento de dois Estados. Um deles é Pedro Pedrossian, que governou Mato Grosso, entre 1966 e 1971, e Mato Grosso do Sul, onde foi governador biônico, em 1980, e governador eleito, entre 1990 e 1994. O outro foi Leonel Brizola, que recebia como ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. As duas pensões, que hoje totalizam R$ 26,1 mil, são pagas à companheira com que viveu os últimos anos.

Não menos absurda é a situação do governador José Reinaldo Tavares, do Maranhão. Eleito vice-governador na chapa de Roseana Sarney, ele assumiu o mandato entre abril e dezembro de 2002, tendo sido beneficiado pela concessão de aposentadoria vitalícia ao término do mandato. No entanto, reeleito naquele ano, ele tentou acumular o salário e a pensão. Em 2003, a Justiça determinou o cancelamento de uma das remunerações, mas o recurso impetrado por Tavares ainda não foi julgado.

A concessão de aposentadorias e pensões vitalícias a ex-governadores é uma afronta ao princípio da moralidade administrativa e, como tal, corrói a essência do regime democrático.