Título: Ahmadinejad sai enfraquecido das urnas
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2006, Internacional, p. A16

Primeira derrota sofrida pelo presidente Mahmud Ahmadinejad desde que chegou ao poder, há 18 meses, os resultados finais das eleições municipais no Irã, anunciados ontem, devem dar mais cacife político para a oposição. Os aliados do polêmico presidente iraniano, definidos como 'conservadores de linha dura', conquistaram apenas 20% das cerca de 113 mil cadeiras dos conselhos municipais disputadas em todo o território iraniano e foram excluídos da gestão de cidades importantes como Shiraz, Sari e Zanjam.

Os grandes vencedores foram os conservadores moderados, rivais de Ahmadinejad, e os reformistas, que defendem uma redução do poder dos clérigos no sistema político iraniano. Em Teerã, onde as eleições são mais concorridas, eles conseguiram, respectivamente, 7 e 4 dos 15 assentos. Os linha-dura ficaram com apenas 3 cadeiras e a última foi conquistada por um independente.

Em outra votação, na qual os iranianos elegeram os 86 integrantes da Assembléia dos Notáveis, os adversários de Ahmadinejad também saíram vitoriosos. Os notáveis são responsáveis pela eleição do líder supremo, religioso que é a autoridade máxima do país, e podem contestar suas decisões.

O candidato mais votado para a Assembléia dos Notáveis foi o ex-presidente Hashemi Rafsanjani, que defende uma política externa pragmática e uma aproximação com os EUA. No total, 65 de seus aliados também foram eleitos. 'A derrota não significa que Ahmadinejad vai moderar o discurso ou mudar sua posição antiocidental imediatamente', disse ao Estado o americano William O. Beeman, professor da Universidade de Brown, nos EUA, e especialista em sociedade iraniana. 'Mas grupos dissidentes ampliarão as críticas, agora que têm respaldo popular, e haverá mais pressão por progresso econômico e pragmatismo na política externa.'

De acordo com analistas, o que explica o resultado das eleições, antes de tudo, é a insatisfação da população com o programa de desenvolvimento e redução da pobreza do presidente - ou a falta dele. 'Ahmadinejad foi eleito prometendo reduzir o desemprego, combater a corrupção e distribuir melhor a renda da atividade petrolífera', diz o historiador iraniano Ali Gheissari, autor de Democracia no Irã: História e a Busca da Liberdade. 'Passados 18 meses desde que ele assumiu o poder, a sensação é a de que não fez nada para melhorar as condições de vida da população.'

Em segundo plano, está a inflamada retórica antiocidental adotada pelo presidente. Muitos temem que ela possa isolar completamente o Irã da comunidade internacional. Os pontos mais polêmicos são a confrontação com os EUA e Israel. 'O anti-semitismo não faz parte da cultura dos iranianos. Durante muito tempo eles conviveram relativamente bem com comunidades judaicas', diz Beeman. Na questão do programa nuclear, Ahmadinejad recebe apoio da população, que vê nessa tecnologia o símbolo de um Irã moderno.

Outro fator que explica a derrota dos aliados do presidente é que na sociedade iraniana existe uma grande demanda por direitos e liberdades civis. O discurso radical de Ahmadinejad alimentou receios de que as conquistas do período em que o país foi dirigido pelo reformista Mohamed Khatami (1997- 2005) fiquem ameaçadas.

Cerca de 70% da população tem menos de 25 anos e dentro de uma década a maior parcela dos eleitores será composta de iranianos que nasceram depois da Revolução Islâmica de 1979. Isso explica, em parte, porque Rafsanjani, com uma campanha focada no direito das mulheres e jovens, obteve mais que o dobro dos votos do aiatolá radical Mohammad Yazdi. Mentor político de Ahmadinejad, Yazdi propôs uma lei que proíbe as mulheres de entrarem em estádios de futebol e prega a defesa dos 'valores' da revolução.