Título: 'O que me resta não é mais uma vida', escreveu Welby
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2006, Vida&, p. A18

'Eu amo a vida. Vida é a mulher que te ama, o vento no seu cabelo, o sol no seu rosto, uma caminhada noturna com um amigo. Vida é também a mulher que te abandona, um dia chuvoso, um amigo que te engana. Não sou melancólico nem maníaco-depressivo. Acho a idéia de morrer horrível. Mas o que me resta não é mais uma vida.' As palavras de Piergiorgio Welby foram escritas em setembro ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, antes da negação pela Justiça do pedido de desligamento de seu respirador.

Digitando com uma mão e uma pequena haste, Welby escreveu a carta e o livro Deixem-me Morrer, que acaba de ser lançado. Ele acabou levantando o debate da eutanásia na Itália e se tornou um porta-voz da morte assistida. Quase todos os dias seu nome é mencionado nos jornais italianos e virou tema político.

À Igreja Católica e aos que se opunham a seu pedido, Welby dizia que não estava cometendo suicídio, mas recusando um tratamento. 'É uma tortura insuportável', escreveu há duas semanas. Recusar tratamento médico é permitido pela lei italiana, mas o país tem outra, segundo a qual é crime ajudar a morrer, mesmo com consentimento.

CONTRADIÇÕES

A própria Igreja tem ensinamentos conflitantes sobre o que fazer em casos como esse. A defesa da vida é tema central da doutrina. Na semana passada, o Vaticano reafirmou sua oposição à eutanásia. Mas, ao mesmo tempo, a Igreja se opõe a tratamentos que prolonguem a vida artificialmente.

'A questão é saber quando estamos diante de um prolongamento artificial da vida', disse o cardeal Javier Lozano Barragán em uma entrevista na semana passada. Presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, ele já havia dito que a Igreja considera 'inaceitável o uso de tratamentos desproporcionais e inúteis para manter os doentes terminais vivos'.

'O que há de natural em ter um buraco na barriga com uma bomba que te alimenta?', escreveu Welby ao presidente. A carta foi entregue com um vídeo que o mostra deitado na cama com o respirador e um laptop falando com voz metalizada.

'Se a coisa fosse feita privadamente, haveria como acomodar o desejo de descontinuar a vida', afirmou o médico Myles N. Sheehan, padre jesuíta especialista em ética sobre eutanásia. Mas, com sua luta, Welby queria eliminar essa ambigüidade.