Título: Um governo sem prioridades
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/12/2006, Notas e Informações, p. A3
Um conflito entre o Ministério da Educação e o Ministério da Fazenda sobre a entrada em vigor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) dá a medida da falta de critérios e prioridades do governo do presidente Lula. O projeto, que é uma das poucas iniciativas importantes de seu primeiro mandato fora da área econômica, recebeu elogios até da oposição e foi um dos principais trunfos do presidente na campanha pela reeleição. Mas, aprovado o Fundeb pelo Congresso, após uma arrastada tramitação - primeiro, o Executivo demorou para enviar o projeto ao Congresso e, depois, não mobilizou suas lideranças para aprová-lo em regime de urgência -, surgiram divergências dentro do governo sobre como e quando irá implementá-lo, pois falta regulamentar a distribuição das verbas.
Ciente de que a demora pode ter efeitos desastrosos, pois a rede pública de ensino básico depende das verbas do Fundeb para iniciar o ano letivo de 2007, o ministro da Educação, Fernando Haddad, advertiu Lula da necessidade de regulamentar a lei o quanto antes, por meio de medida provisória. Além disso, prefeitos e governadores vêm advertindo que, se não receberem os recursos do Fundeb, a partir de fevereiro a rede pública de ensino entrará em colapso.
Contudo, interessado em adiar ao máximo os repasses de recursos federais aos Estados e municípios, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quer que a regulamentação do Fundeb seja feita por meio de um projeto de lei ordinária. Haddad e Mantega já se encontraram algumas vezes para discutir o assunto, mas o impasse continua. ¿A urgência e a relevância do Fundeb estão caracterizadas para que sua regulamentação possa se dar por MP¿, diz o ministro da Educação. ¿O Ministério da Fazenda quer entender a dinâmica do Fundeb ao longo dos próximos 14 anos¿, afirma Mantega.
Constituído por 20% dos principais impostos federais, estaduais e municipais, além de verbas complementares da União, o Fundeb foi concebido para financiar a educação de 47,2 milhões de estudantes, da creche ao ensino médio. É uma versão ampliada do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que foi extinto este ano e beneficiava 30 milhões de alunos. A receita estimada do Fundeb para 2007 é de R$ 50 bilhões e o dinheiro será distribuído de acordo com o número de alunos matriculados nas redes estaduais e municipais de ensino.
Segundo a lei do Fundeb, a União terá de destinar ao fundo pelo menos R$ 2 bilhões, em seu primeiro ano de funcionamento. É o repasse dessa verba que o Ministério da Fazenda quer adiar, alegando que o fundo tem de ser regulamentado por um projeto de lei. Conhecendo a lentidão da Câmara e do Senado, a equipe econômica do governo sabe que por esse caminho o projeto dificilmente seria aprovado em 2007.
Portanto, apesar da importância do Fundeb para a formação das novas gerações, para a elevação do nível de escolaridade da população e para o desenvolvimento econômico do País, o Ministério da Fazenda vem agindo com uma visão de curto prazo e viés exclusivamente fiscalista. Aliás, a oposição da equipe econômica ao Fundeb não é de hoje. Ela vem desde o momento em que o Ministério da Educação, há quase quatro anos, começou a cogitar de sua criação e a reivindicar novas fontes de recursos para a educação.
Diante do potencial de retorno tanto social quanto econômico do ensino básico para o País, Lula não pode hesitar. Como o Fundef já foi extinto e faltam apenas dois meses para o início do próximo ano letivo, a regulamentação do Fundeb é um típico caso de urgência e grande relevância - condições essenciais para a edição de medida provisória. Durante a campanha reeleitoral, Lula não poupou críticas às políticas educacionais de seus antecessores, que chamou de ¿descompromissados com o futuro¿. Se demorar para editar a medida provisória reivindicada pelo ministro da Educação, ele é que estará consagrando o ¿descompromisso com o futuro¿ de que acusou, nem sempre com razão, os presidentes que o precederam.