Título: A lógica do pacote
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/12/2006, Economia, p. B2

Antes de serem atropelados pelo aumento do salário mínimo para R$ 380, os ministros da área econômica pensavam em limitar o crescimento das despesas correntes da União em 3,5% ao ano, em termos reais, daqui para frente. Os técnicos oficiais argumentavam que o porcentual é menor do que aquele registrado no primeiro mandato de Lula, quando as despesas aumentaram, em média, cerca de 5% ao ano, em termos reais. Nos últimos 12 anos, a elevação real ficou em torno de 4,5% ao ano, em média.

Como os técnicos estão convencidos de que a economia crescerá acima de 3,5% ao ano, as despesas cairiam como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Essa é a lógica que substituiu o mecanismo do redutor das despesas, que chegou a ser anunciado no primeiro momento por integrantes do Ministério da Fazenda. A expansão econômica acelerada seria garantida não apenas pela redução mais rápida das taxas de juros, mas também pelo estímulo aos investimentos privados promovidos com a desoneração de impostos, previsto no pacote de medidas, e por maiores investimentos públicos, que seriam garantidos com a diminuição do superávit primário.

Nesse cenário de controle das despesas e expansão acelerada da economia, a equipe econômica dizia ser possível manter o ritmo de redução da dívida pública como proporção do PIB, que é o indicador fiscal que interessa ao mercado. Os modelos econométricos que estavam sendo rodados nos gabinetes oficiais projetavam uma queda da dívida líquida dos atuais 50% do PIB para 40% do PIB, ao final do segundo mandato de Lula - uma queda de 10 pontos porcentuais , algo semelhante com o que ocorreu no seu primeiro mandato O aumento real de 5,3% para o salário mínimo em abril do próximo ano, decidido pelo presidente Lula sem ouvir os ministros da área econômica, deixou os técnicos oficiais atônitos. O reajuste custará R$ 890 milhões a mais aos cofres públicos. Além disso, a União perderá R$ 210 milhões com a correção da tabela do Imposto de Renda em 4,5% e não em 3%. Nada disso estava incluído nas planilhas e nos modelos econométricos. Para salvar a lógica do crescimento real das despesas de 3,5% em 2007, a equipe terá de descobrir onde cortar no orçamento, sem afetar as desonerações tributárias previstas no pacote para ¿destravar¿ o crescimento.

Os custos adicionais dificultam a gestão orçamentária do próximo ano e lançam dúvidas sobre a capacidade do governo de fazer com que as despesas correntes aumentem menos do que o crescimento do PIB em 2007. Mas os técnicos oficiais garantem que será possível retomar a estratégia de limitar o crescimento real dos gastos em 3,5% já em 2008. Ao abandonar o redutor, a equipe procurou definir regras para as principais despesas orçamentárias. Para algumas, conseguiu. Para outras, não, pois o presidente Lula não aceitou. O pacote prevê apenas duas regras para as despesas. A primeira estabelece que o salário mínimo será corrigido pelo INPC mais a variação real do PIB de dois anos anteriores à data do reajuste. A equipe econômica queria a correção do mínimo pelo PIB per capita. Com a fórmula aprovada, o governo espera controlar as despesas previdenciárias.

No primeiro momento, o reajuste do mínimo não será elevado, pois o crescimento da economia nos últimos anos foi irrisório. Em 2008, por exemplo, o reajuste real do piso será de apenas 2,8%, se a estimativa do mercado para a expansão da economia em 2006 se confirmar. Mas, se a economia realmente crescer 5% ao ano daqui para frente - meta definida pelo presidente Lula e que será perseguida ¿tenazmente¿ -, a despesa da Previdência Social aumentará mais rapidamente no próximo governo, se a fórmula for mantida.

A regra para o aumento do gasto com salários do funcionalismo dos três Poderes é mais severa. Ela prevê que essa despesa só poderá ser corrigida pelo IPCA e acrescida de um aumento real de apenas 1,5%. Se a economia crescer 5% ao ano e essa regra for mantida, a despesa da União com pessoal cairá fortemente como proporção do PIB. Por isso, pode-se dizer que a estratégia montada pelo governo prevê que o peso maior do ajuste fiscal recairá sobre o funcionalismo, que não terá aumento real no período de quatro anos, pois o reajuste real de 1,5% da despesa cobrirá apenas o crescimento vegetativo da folha (representado pelas despesas com novas contratações, com a incorporação de qüinqüênios, anuênios e outras vantagens).

O presidente Lula não aceitou reduzir os recursos para a área da saúde. A proposta da área econômica era regulamentar a emenda constitucional 29 para que a despesa com as ações e serviços de saúde fosse corrigida pelo IPCA, a cada ano, mais um aumento real de 1,5%. A regra atual prevê que os recursos destinados à área de saúde serão corrigidos pela variação nominal do PIB. Com a decisão do presidente de não mexer nessa questão, não será possível reduzir esse gasto.

Os integrantes da equipe econômica argumentam que as regras darão previsibilidade para as duas principais despesas orçamentárias, permitindo que o governo possa programar com maior facilidade os demais gastos. Os técnicos admitem, no entanto, que apenas as duas regras não garantirão o aumento real de 3,5% das despesas correntes.

Será necessário, como informou um importante integrante da equipe econômica, reduzir outros gastos, principalmente os de custeio, para que a conta feche. Ou seja, durante o segundo mandato, algumas despesas da União terão de encolher, em termos reais, para que o conjunto aumente dentro da meta. Isso será feito por meio do velho contingenciamento das dotações orçamentárias, prática que não deixará de existir tão cedo.

A estratégia da equipe econômica dará certo? A maior dificuldade reside no fato de que a economia precisará crescer mais do que 3,5% daqui para frente, o que é muito superior à expansão média de apenas 2,6% dos últimos 25 anos. Até hoje, os economistas não sabem exatamente como fazer para conseguir um crescimento acelerado, de forma duradoura.

Depois, é preciso esperar que não ocorra nenhuma turbulência internacional séria nos próximos quatro anos, o que é um espaço de tempo relativamente longo para os padrões da economia. Se algo acontecer que reduza o ritmo de aumento das exportações do País, é muito provável que a estratégia fiscal tenha de ser outra. Talvez mais dolorosa do que aquela que deveria ser implementada agora.