Título: Outro embrulho no pacote dos 5%
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

Passada a eleição presidencial, veio a esperança de que as preocupações do presidente Lula efetivamente se voltassem para o maior problema da economia brasileira, seu crônico e medíocre crescimento, que já dura duas décadas e meia. Em 2006, a busca da reeleição ajudou a trazer mais dessa mediocridade, com mais uma rodada de expansão dos gastos públicos federais com fins eleitoreiros, em particular o forte aumento do salário mínimo, a expansão do programa Bolsa-Família e aumentos salariais para o funcionalismo.

Com isso o presidente ampliou gastos cuja contenção sua própria equipe econômica vê como indispensável para ampliar os investimentos públicos em capital fixo - como as obras de infra-estrutura -, reduzir impostos e segurar também o crescimento da dívida pública. Essas ações seriam igualmente fundamentais para reduzir a taxa básica de juros, pois aliviariam dois de seus ingredientes, a pressão inflacionária exercida por gastos públicos e o risco da dívida pública. Assim, constituiriam uma tentativa de colocar a economia numa velocidade de crescimento menos lenta, pois rapidez mesmo continua uma miragem. Há muito ela não se manifesta no crescimento, nem em muitas outras facetas deste país. A vagareza nacional alcançou até o tempo das viagens de aviões.

Nessa linha do que vê como indispensável para reduzir o fraquíssimo crescimento, ampliando seu ritmo para 5%, a equipe econômica federal gastou quase dois meses a elaborar um pacote de medidas. Seu anúncio oficial ficou para meados de dezembro, mas adiado para mais adiante e, mais recentemente, para o próximo ano. Como 2006 está chegando ao fim, seriam apenas mais alguns dias, mas as circunstâncias que levaram ao último adiamento são preocupantes, pois afetam aspectos essenciais do pacote, ao qual foi adicionado um inconveniente embrulho.

Assim, no dia 20 deste mês foi anunciado um novo aumento real do salário mínimo, agora perto de 5%, que mais uma vez agravará as já gravíssimas contas da Previdência Social. Esse aumento ampliou o valor desse salário de R$ 350 para R$ 380, numa escalada de valores que começou com R$ 367, defendidos pelo ministro da Fazenda, passou pela penúltima versão do orçamento federal de 2007 na linha dos R$ 375 e culminou com o valor final decidido pelo presidente. Isso depois de se reunir com líderes sindicais e o ministro do Trabalho. O ministro da Fazenda ficou fora da reunião e, segundo o presidente, ¿não há ministro da Fazenda¿ capaz de demovê-lo de decisões como essa.

Da mesma reunião veio uma boa decisão, a correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, ainda que em apenas 5%. É boa porque reduz, ainda que pouco, o combustível de impostos que nutre os maus gastos do governo. Mas também nesse caso foi contrariada a correção menor até então prevista no orçamento, e também aceita pelo ministro da Fazenda.

Abro parênteses para destacar que essa flexibilidade orçamentária para incorporar decisões como a do salário mínimo só agravam a percepção de um orçamento irrealista. Como acomoda mais despesas sem uma garantia de mais receitas, o resultado é preocupante e espelhado em manchetes do tipo Orçamento impõe carga tributária maior (Folha de S. Paulo, 20/12), anunciando que ¿as contas do próximo ano não fecham sem mais um aumento da carga tributária¿.

Quanto à equipe econômica, ela engoliu mais um sapo, o que não é novidade, exceto pelo tamanho dele, adequado para estimular despedidas. Quem vai trabalhar em Brasília precisa definir o tamanho do sapo que se dispõe a deglutir sem no processo machucar demais o ego e comprometer o renome.

Mas não fica nisso. Quem aceita o tamanho do sapo precisa voltar ao trabalho, e tudo indica que o anúncio do pacote foi adiado porque com as novas decisões suas contas precisaram ser refeitas. Outra razão foi que, se o anúncio do pacote ocorresse nos últimos dias do ano, ele teria impacto diminuído pelo menor interesse que despertaria nessa época. Esta segunda razão é aceitável. O que preocupa mesmo é a decisão quanto ao salário mínimo, no seu impacto orçamentário e sobre a credibilidade e motivação da equipe econômica.

Lula defendeu a decisão afirmando que não se pode governar só ¿com a racionalidade¿ e que é preciso fazê-lo também ¿com sensibilidade¿. Só que sua sensibilidade ou percepção é equivocada, pois acredita que fará o País crescer com sua ênfase na distribuição de renda e desprezo quanto aos investimentos. Assim, na mesma ocasião, e ao tocar na questão do crescimento, disse ele: ¿É importante lembrar que o povo vai ganhar, vai comprar no dia seguinte comida, sapato, roupa.¿ Mas ignora que os contribuintes que com seus impostos financiarão essa conta tiveram uma redução correspondente de seus gastos, com uma coisa anulando o efeito da outra. E que o investimento que move a economia não crescerá com mais essa distribuição para gastos de consumo, parte dos quais fluirá para importações, estimulando o PIB de outros países.

E mais: neste ano de 2006 Lula maximizou suas medidas distributivas, de olho na reeleição e assentado também na sua sensibilidade. O resultado foi mais um ano péssimo, com o crescimento econômico devendo ficar abaixo de 3%, em que pesem repetidas afirmações de membros da equipe econômica de que alcançaria 5%, uma previsão que foi caindo para 4%, 3%, e agora se aposta até abaixo disso.

Para o próximo ano, o governo voltou à previsão dos 5%. Como não vejo investimentos nem um clima de negócios capaz de levar a isso, meus votos são de que eu esteja errado, pois só teria a comemorar.