Título: Novas regras para o gás
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2006, Notas e Informações, p. A3
A Comissão de Serviços de Infra-estrutura do Senado aprovou na semana passada o projeto de Lei do Gás, que agora seguirá para a Câmara dos Deputados. O projeto, relevante para o futuro dos investimentos privados em gás natural, tramitou com vagar no Senado e sua aprovação, há mais tempo, teria estimulado alguma competição num segmento quase totalmente dominado pela Petrobrás.
A Lei do Gás, como ficou conhecido o projeto de autoria do senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA), apresentado em junho de 2005, foi inicialmente bombardeada pelo governo, que temia enfraquecer o poder absoluto da Petrobrás sobre o setor.
Transcorreram meses até que se iniciasse uma negociação em torno do texto. E apenas recentemente o diretor da Petrobrás que criticava o projeto de Tourinho, Ildo Sauer, reconheceu publicamente a importância de um marco regulatório para atrair investidores privados, notadamente estrangeiros. Mas já em 2005 a então secretária de petróleo e gás do Ministério de Minas e Energia, Maria das Graças Silva Foster, admitia que o Brasil precisa não só do gás boliviano, mas também do gás da Bacia de Santos, onde há grandes jazidas, e de outros fornecedores, como o Peru.
Em resumo, o Brasil necessita de investimentos vultosos, tanto para assegurar a extração do gás como para construir gasodutos pelos quais o insumo será transportado até os grandes centros de consumo.
O projeto da Lei do Gás foi aprovado com a emenda substitutiva do senador Sérgio Guerra, do PSDB do Ceará. Pela emenda, ficou estabelecido que até 2010, em caso de crise energética, o gás brasileiro disponível no mercado será encaminhado, prioritariamente, às usinas termoelétricas. Ou seja, a Petrobrás não poderá dispor livremente do insumo, como faz hoje. Haverá, portanto, um instrumento de pressão que poderá ser exercido contra a estatal se ela não cumprir - como vem ocorrendo - os contratos de fornecimento assinados quando as usinas foram construídas, com base no Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), implantado no governo passado após o apagão.
Outro ponto essencial do projeto diz respeito à construção e à utilização da rede de gasodutos. Hoje, todos os dutos pertencem à Petrobrás e por ela são explorados. E a empresa estatal cria dificuldades de acesso às suas instalações, por outras empresas. Exemplo disso ocorreu quando havia enorme capacidade ociosa no Gasoduto Bolívia-Brasil e só com uma determinação da Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi assegurado o direito de uma empresa estrangeira, a British Gas, trazer gás boliviano, pois a Petrobrás não queria abrir qualquer brecha no seu poder de monopólio.
Sem estímulo à competição, o Brasil atrasou-se na construção de gasodutos. Em meados de 2005, segundo especialistas do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), a rede brasileira de gasodutos era de apenas 5,4 mil km, incluído o Gasoduto Bolívia-Brasil, que entrou em operação em 1999, e o gasoduto Lateral-Cuiabá, de 2002. Só recentemente foram retomados os investimentos em gasodutos.
Aprovada a Lei do Gás, deverá ser estabelecido o regime de concessão para a construção de novos gasodutos e, ademais, facilitado o acesso do setor privado aos dutos da Petrobrás, com preços definidos pela Agência Nacional do Petróleo. O projeto assegura a qualquer carregador o acesso aos dutos - e este acesso se dará mediante oferta pública de capacidade. Mas ressalva que não haverá oferta se não houver capacidade disponível ou ociosidade.
A legislação votada no Senado está voltada para o longo prazo, ou seja, para que o Brasil deixe de depender do gás produzido pela Bolívia e das decisões atrabiliárias de Evo Morales, que trata o País como potência imperialista e não como parceiro.
O gás ganhou peso na matriz energética brasileira. Atende ao consumo doméstico, ao transporte e a segmentos industriais, e é também essencial para assegurar energia de reserva, para ser usada em caso de colapso de outras fontes, como a hidráulica. É nisso que os deputados terão de pensar na hora de votar a Lei do Gás.