Título: A contribuição da Apamagis
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2006, Notas e Informações, p. A3

Embora a reforma da anacrônica legislação penal seja uma tarefa de responsabilidade do governo federal e do Congresso, quem vem tentando realizá-la é o Judiciário. Menos de quatro meses após ter criado um grupo de trabalho para adequar o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execuções Penais e o Estatuto da Criança e do Adolescente à realidade social e econômica, a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) acaba de divulgar sua proposta. Elaborada em tempo recorde, ela inclui um conjunto de anteprojetos cujo objetivo é punir com mais rigor os presos envolvidos em motins e fixar critérios mais rigorosos para a concessão do benefício da progressão da pena.

A decisão da Apamagis de fazer o que já deveria ter sido realizado pelo Executivo e pelo Legislativo foi tomada no final de maio, em resposta aos atentados do Primeiro Comando da Capital (PCC), que assassinou policiais civis e militares. incendiou ônibus, fechou o comércio em São Paulo e lançou bombas contra fóruns, delegacias e bancos. A proposta da entidade, baseada em sugestões enviadas pelos juízes criminais da Justiça estadual, é a mais realista apresentada nos últimos tempos. Até agora, as sugestões para a modernização da legislação penal, quando não se circunscreviam a aspectos meramente pontuais, eram determinadas apenas com fins demagógicos e eleiçoeiros.

A proposta da Apamagis mantém como está o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), o principal motivo de reclamação do PCC. Ela classifica como falta grave o porte de telefones celulares por parte dos presos, tipifica de modo mais detalhado o crime organizado e defende punição mais severa para os autores de crimes que envolverem uso de armas, ameaças à vida e participação de menores. As penas mínimas sugeridas pela Apamagis são de prisão de 6 a 12 anos, podendo ser duplicadas conforme a violência praticada pelos criminosos contra as vítimas.

Com essa medida, a entidade quer redefinir o sistema de punições. Por causa das leis editadas às pressas nas duas últimas décadas, após crimes de grande repercussão, atualmente há uma enorme desproporção entre as penas e os delitos. 'Além de defasada, a legislação penal não está adequada para cada tipo de pena aplicada. O condenado por um delito de menor potencial ofensivo fica, praticamente, o mesmo tempo dentro da prisão que um condenado por estupro ou homicídio', afirma o presidente da Apamagis, Sebastião Amorim, depois de lembrar que essa situação leva os criminosos de alta periculosidade a se converterem em preceptores de condenados por crimes não violentos.

A sugestão mais polêmica da Apamagis diz respeito à concessão do benefício da progressão da pena aos presos condenados por crime hediondo. Embora a Lei de Crimes Hediondos negue expressamente esse benefício aos autores dos delitos por ela previstos, exigindo o cumprimento integral da pena em regime fechado, o STF considerou essa exigência inconstitucional.

Desde então, os presos condenados por crime hediondo podem passar do regime fechado para o semi-aberto e desse para o regime aberto depois de cumprir um sexto da pena. Justificada em nome dos princípios da 'humanização' e da 'individualização' da pena, a decisão do Supremo causou perplexidade entre os juízes criminais de todo o País, que a consideram uma forma de estímulo à violência. Contrapondo-se à mais alta corte do Judiciário, a Apamagis propõe que o benefício da progressão somente possa ser reivindicado pelos condenados por crime hediondo após o cumprimento de pelo menos dois terços da pena numa penitenciária de segurança máxima.

Independentemente da divergência entre o STF e a Justiça paulista com relação ao rigor das penas a serem aplicadas aos autores de crime hediondo, uma coisa é certa: durante décadas, governantes e criminalistas atribuíram o aumento da criminalidade e a crise da segurança pública ao anacronismo da legislação penal, mas não passaram do discurso para a ação, pouco fazendo para modernizá-la. Ainda que algumas de suas sugestões sejam polêmicas, a Apamagis deu um passo decisivo para que essa reforma finalmente seja iniciada. Esse é o mérito da entidade.