Título: 'O diálogo é vital para nosso futuro', diz o papa ao Islã
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2006, Internacional, p. A18

Nenhum pedido formal de desculpas ou perdão, como exigiam manifestantes muçulmanos nos protestos contra o que ele disse sobre Maomé, dia 12, na Alemanha. Mas Bento XVI reafirmou ontem, de maneira clara e firme, o que pensa e espera do Islã, uma religião de 1,3 bilhão de seguidores.

'O diálogo inter-religioso e intercultural entre cristãos e muçulmanos é uma necessidade vital da qual depende, em grande parte, nosso futuro', disse o papa, num encontro com 22 embaixadores e 16 representantes de entidades religiosas muçulmanas na Itália.

Dos diplomatas de países de maioria islâmica acreditados junto à Santa Sé, apenas o do Sudão não participou da reunião. Dispostos em semicírculo na sala de audiências do palácio de verão do papa, seus convidados ouviram um discurso de cinco minutos, no qual Bento XVI foi direto à questão, depois de uma saudação do cardeal Paul Poupard, presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso.

'As circunstâncias que suscitaram esse encontro são bem conhecidas', começou o papa, sem mais referências à citação que fez, na Universidade de Regensburg, de uma conversa do imperador bizantino do século 14 com um persa erudito.

'Gostaria hoje de ressaltar toda a estima e o profundo respeito que tenho por todos os crentes muçulmanos', disse o papa. Falou em francês, língua supostamente familiar a seus interlocutores, enquanto o Serviço de Informação do Vaticano distribuía traduções em árabe, inglês e italiano. A rede de televisão Al-Jazira, de grande audiência entre os muçulmanos, transmitiu a cerimônia ao vivo.

'As experiências do passado devem ajudar-nos a buscar os caminhos da reconciliação para que, em respeito à identidade e à liberdade de cada um, se instaure uma colaboração frutífera a serviço de toda a humanidade', advertiu Bento XVI, numa evidente alusão às guerras que, como as cruzadas, dividiram cristãos e muçulmanos.

Depois, um apelo ao entendimento e à solidariedade:

'Na situação em que se encontra o mundo, é um imperativo para cristãos e muçulmanos comprometer-se para enfrentarem juntos os numerosos desafios com que se depara a humanidade, especialmente no que concerne à defesa e promoção da dignidade do ser humano e aos direitos que dela derivam', observou o papa.

Estendendo o horizonte dessa colaboração, Bento XVI acrescentou que 'fiéis aos ensinamentos de suas tradições religiosas, cristãos e muçulmanos precisam aprender a trabalhar juntos, como já fazem em várias experiências comuns, para evitar toda forma de intolerância e se opor a toda manifestação de violência'.

'O papa manifestou, mais uma vez, seu profundo respeito ao Islã, como nós esperávamos', comentou o embaixador do Iraque, Ismail Yelda, de religião cristã, acrescentando que 'agora é preciso ir adiante e construir pontes'.

Para o representante do Irã, Ahmad Fahima, o encontro foi 'frutífero'. Embora se mostrassem satisfeitos com o encontro, outros diplomatas saíram de Castelgandolfo sem comentar o discurso do papa.

Para a União das Comunidades Islâmicas na Itália, a reunião com Bento XVI 'foi, apesar da rigidez diplomática, sinal de uma vontade de diálogo que não se pode menosprezar'. A audiência durou 30 minutos. Somente o cardeal Poupard e o papa falaram, como se seus interlocutores tivessem sido convocados para ouvir a mensagem que o Vaticano queria mandar a seus países, todos de maioria muçulmana.

Mulheres usam véus ocidentais

Atentas ao protocolo do Vaticano, mulheres muçulmanas que participaram do encontro com Bento XVI em Castelgandolfo fizeram uma concessão aos costumes ocidentais. Em vez dos véus tradicionais de sua religião, algumas usaram mantilhas, como as fiéis católicas que se cobrem com véus pretos nas audiências e cerimônias presididas pelo papa.

Sob condições normais, mulheres religiosas de hábitos conservadores usariam o chador, um traje tradicional que, de acordo com as regras do islamismo, esconde todo o corpo, da cabeça aos pés. Elas também não apertariam a mão de um homem que não fosse parente próximo, como fizeram com o papa.

O embaixador do Kuwait apresentou-se de turbante e outros delegados vestiam túnicas. A maioria de seus colegas, no entanto, usava terno e gravata. Bento XVI cumprimentou, um por um, todos os participantes do encontro. Na parede do Salão Suíço, local da reunião na residência de verão, via-se um grande quadro de Nossa Senhora.