Título: Legislatura enojosa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2006, Notas e Informações, p. A3

Para coroar aquela que tem sido considerada - por veemente unanimidade - a pior legislatura da história do Brasil, na véspera de seu último dia de trabalho o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados bateu verdadeiro recorde: a toque de caixa livrou do risco de cassação sete parlamentares investigados por suspeita de envolvimento na máfia dos sanguessugas. O Conselho só recomendou a cassação de quatro deputados - justamente os não reeleitos, quer dizer, os já ¿cassados¿ pelo eleitorado, com o que os processos não irão a plenário. Assim, o ¿pacote de impunidade¿ empurra para o arquivo quaisquer tentativas de cobrança de indecorosos ou criminosos que conspurcaram seus mandatos de representação parlamentar. E o balanço geral de escândalos e suspeitos deste período legislativo que se encerra é, realmente, abrumador, da mesma forma como estarrece a tranqüilidade com que se montou a imensa pizza absolutória, de variados sabores partidários.

Dos 19 deputados denunciados como envolvidos na compra e venda de votos e apoios (quer dizer, consciências), no esquema batizado de ¿mensalão¿, 12 foram absolvidos, 4 renunciaram ao mandato para escapar da cassação - e conseqüente suspensão de seus direitos políticos -, tendo sido apenas 3 os condenados. Dos 72 parlamentares (69 deputados e 3 senadores) denunciados como participantes do esquema sanguessuga - utilização de emendas orçamentárias para a compra de ambulâncias superfaturadas para as prefeituras e recebimento de propinas por estas operações -, 11 foram absolvidos (8 deputados e 3 senadores), 4 (deputados) tiveram recomendações de cassação (inócuas, já que não se reelegeram), 2 renunciaram (para escapar e poder voltar logo) e nada menos do que 55 tiveram processos arquivados no Conselho de Ética da Câmara, sendo que 54 sequer chegaram a ser examinados.

Assim, a Legislatura enojosa que se encerra bate recordes na quantidade de suspeitos absolvidos e no número dos que renunciaram para evitar cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos. E o saldo geral dos escândalos é este: 91 parlamentares foram investigados e apenas 3 foram cassados - entre os quais o que destampou, com suas denúncias que se confirmaram, o efervescente caldeirão de bandalheiras em que se transformara o Congresso Nacional, no processo de cooptação do governo e seu partido, tendo em vista a formação da sua base de apoio parlamentar. O que causou mais espécie, sem dúvida, foi a demonstração de concentração de esforços para a moralização das Casas Legislativas, por meio das CPIs e dos processos por falta de decoro nos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado.

Durante um bom período a sociedade brasileira assistira a um inédito espetáculo, como se acompanhasse, pela televisão, capítulos de uma novela policial. Interrogadores ¿apertavam¿ depoentes, faziam discursos aproveitando-se da larga exposição ao eleitorado, transformando a tribuna parlamentar num permanente palanque. Depoentes, denunciados e testemunhas, muitas vezes exibiam excessos de cinismo e caradurismo, dando explicações inverossímeis, muitos deles protegidos da prisão por mandados judiciais preventivos, que os deixavam inteiramente à vontade para proferir as mais deslavadas mentiras. Montanhas de documentos eram providenciadas e chegavam às CPIs e Conselhos, funcionários de estatais eram mobilizados para seu complicado manuseio. Quanto de recursos dos contribuintes foram utilizados em tais funções, que acabaram resultando em nada - ou na grande pizza da impunidade?

Jamais se saberá. Mas, para completar a imagem desta já tão má-afamada Legislatura, os dirigentes das Casas e as lideranças partidárias se julgaram no direito de apresentar a esses contribuintes a sua conta por todo esse trabalho: 91% de aumento dos seus salários. A forte reação da opinião pública e a decisão do Supremo Tribunal Federal, obrigando a que o projeto de reajuste fosse decidido em plenário, interromperam a aleivosa intenção de fazer prevalecer o acintoso reajuste, ficando a matéria para ser decidida na próxima Legislatura.

É preciso ter a esperança de que, em alguma medida, os ilustres representantes do povo tenham aprendido alguma coisa com o próprio desgaste. E a partir disso façam a próxima Legislatura bem melhor do que esta - o que não será tarefa difícil, pois ser pior do que ela é uma notória impossibilidade.