Título: Lily Safra faz doação milionária a centro no RN
Autor: Lobo, Flavio
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2006, Vida&, p. A18

Lily Safra, viúva do banqueiro Edmond Safra, e o neurocientista Miguel Nicolelis acabam de assinar o contrato daquela que deve ser a maior doação para um projeto de pesquisa já realizada no Brasil. Os recursos serão destinados ao Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), coordenado por Nicolelis. O acordo prevê que, a partir de fevereiro, o nome da instituição ganhará um adendo e passará a se chamar Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra.

Tanto Lily Safra e sua assessoria quanto os representantes do instituto não divulgaram o valor da doação, mas Nicolelis informa que ela será repassada ao IINN ao longo dos próximos três anos. O cientista qualifica a doação de ¿muito generosa¿ e assegura que ¿viabilizará uma série de atividades de pesquisa e projetos sociais¿ na capital potiguar e no município vizinho de Macaíba.

Numa declaração escrita em resposta a perguntas enviadas pelo Estado, Lily Safra diz estar ¿há muitos anos, profundamente envolvida com as pesquisas na área da neurociência em institutos de renome em todo o mundo, apoiando os cientistas em sua busca pela cura de enfermidades devastadoras como a doença de Parkinson e o mal de Alzheimer¿. Em seguida, explica o apoio e a associação ao instituto: ¿Como parte de uma extraordinária parceria entre alguns dos principais laboratórios do mundo, o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra tem o potencial de promover impacto significativo nessa busca¿.

Lily diz que seu envolvimento foi motivado ainda pela dimensão social do empreendimento. ¿Esse projeto chamou minha atenção porque também aborda uma outra área dentre aquelas em que tenho atuado por tanto tempo: oferecer oportunidades educacionais para crianças desfavorecidas e suas famílias¿, esclarece a doadora, que se diz orgulhosa como brasileira por ¿patrocinar um projeto que beneficiará o Brasil de forma tão particular¿.

O acordo entre Nicolelis e Lily configura uma associação de competência científica e potência financeira com poucos similares na história brasileira.

PESQUISA E PROJETOS SOCIAIS Ambicioso, o projeto do IINN tem entre suas metas a criação de um centro de pesquisa de ponta que fará parte de uma rede internacional de laboratórios de neurociências e o desenvolvimento de projetos sociais, focados sobretudo em educação e saúde, capazes de melhorar significativamente as condições de vida da população de Macaíba, município pobre de pouco mais de 60 mil habitantes situado na periferia de Natal.

Diretor do laboratório de neuroengenharia da Universidade de Duke, nos EUA, considerado pela revista americana Scientific American um dos 20 cientistas mais influentes do planeta, Nicolelis quer repatriar pesquisadores brasileiros que atuam no exterior. ¿Vamos mostrar que a ciência pode ser um grande motor para a promoção social e econômica do Nordeste e do Brasil¿, declara o coordenador do IINN. Dona de uma fortuna avaliada em cerca de US$ 1 bilhão, aos 68 anos a gaúcha Lily Safra é uma das mulheres mais ricas do mundo. Mantém residências em vários países, mas atualmente fica a maior parte do tempo em Londres, onde integra um círculo social freqüentado pelo príncipe Charles e outros membros da nobreza européia. Reservada, passou por um período de intensa exposição na mídia logo após a morte de Edmond Safra em 1999, em Mônaco. O banqueiro morreu sufocado pela fumaça de um incêndio provocado por seu enfermeiro particular, que foi preso.

No Brasil, o principal investimento de Lily Safra garante-lhe o controle acionário do grupo Ponto Frio, segunda maior rede de varejo do País, cujo faturamento atingiu R$ 3,6 bilhões em 2005.

Lily mantém uma entidade filantrópica, a Fundação Edmond J. Safra, que já doou somas elevadas a hospitais, museus, entidades de ensino e pesquisa, organizações religiosas e humanitárias. Duas de suas principais doações, de US$ 10 milhões cada uma, foram feitas, em 2004, a instituições americanas: a Universidade Harvard e a fundação criada pelo ator Michael J. Fox para apoiar pesquisas sobre Parkinson, doença que foi diagnosticada em Edmond Safra. Coincidência ou não, um dos mais importantes trabalhos científicos divulgados neste ano pelo grupo de Nicolelis nos EUA faz revelações sobre o funcionamento cerebral que poderão abrir rumos para a compreensão e o diagnóstico precoce do mal de Parkinson.

FINANCIAMENTOS O instituto de Natal, que tem entre seus principais parceiros a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade Duke, o Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, a Fundação Avina e a prefeitura de Macaíba, fechou recentemente importantes acordos de financiamento com órgãos do governo federal. Da agência Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o IINN receberá R$ 6 milhões para pesquisa. O Ministério de Ciência e Tecnologia, além de prover recursos para um projeto de iniciação científica dirigido a estudantes de escolas públicas de Natal, destinará R$ 1,1 milhão para a construção e equipagem de laboratórios em Macaíba. Como contrapartida ao investimento da Finep, o Sírio-Libanês enxertará outros R$ 2 milhões em projetos científicos e sociais do instituto.

As pesquisas em Natal estão sob a coordenação de Sidarta Ribeiro, outro neurocientista brasileiro que construiu boa parte de sua carreira nos Estados Unidos e mudou-se para a capital potiguar em novembro de 2005. ¿Já temos dois laboratórios funcionando, além do biotério (ambiente controlado para a manutenção de ratos de laboratório) e de um centro para neurocirurgia em cobaias. Em março, deveremos inaugurar mais cinco laboratórios e pretendemos chegar a um total de 30¿, anuncia Ribeiro.

Hoje há 12 cientistas trabalhando no IINN. A equipe deverá aumentar no início de 2007, com a chegada de cinco pesquisadores selecionados para programas de pós-doutorado do instituto. As pesquisas já em andamento incluem estudos sobre o papel do sono para a consolidação da memória e comunicação vocal em primatas. Em breve, deverão ser iniciadas investigações em áreas como neurocomputação (desenvolvimentos de programas que simulam funções cerebrais), neuropróteses (membros robóticos controlados pelo cérebro) e modelos animais de doenças psiquiátricas e neurológicas (pesquisas sobre distúrbios como esquizofrenia e Alzheimer feitas com auxílio de cobaias geneticamente modificadas).

O cronograma do instituto prevê, para daqui a pouco mais de dois meses, a inauguração oficial de dois centros de pesquisa, outros dois prédios, que sediarão projetos educacionais, e um centro de saúde. A cerimônia deverá acontecer no lançamento do 2º simpósio internacional promovido pelo IINN. Entre os dias 23 e 25 de fevereiro, em Natal, reunirá especialistas brasileiros e estrangeiros para apresentar e discutir avanços e perspectivas da ciência do cérebro.

Além do apoio à pesquisa e ao trabalho de assistência à população da periferia de Natal, a associação entre o IINN e o Hospital Sírio-Libanês tem como objetivo a realização de uma cirurgia pioneira para conexão do cérebro de um paciente a um braço robótico por meio do implante de um eletrodo. A técnica, que está em fase de testes em cobaias em laboratórios de São Paulo e Natal, poderá, segundo Nicolelis, começar a ser aplicada em humanos em 2008. Os beneficiados serão pessoas que perderam partes do corpo em acidentes ou vítimas de paralisia.