Título: Mercado estranha resultado
Autor: Fernandes, Adriana e Freire, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2006, Economia, p. B1

O resultado consolidado das contas públicas em novembro, de superávit de R$ 5,606 bilhões, foi recebido com reservas por analistas do mercado. Segundo levantamento do Estado, as previsões eram de superávit de R$ 1,8 bilhão a R$ 4 bilhões. Ou seja, nem o teto das expectativas contemplava um valor tão alto quanto o divulgado pelo Banco Central (BC).

Dois pontos suscitaram as dúvidas dos analistas: o resultado muito acima das previsões para o superávit das estatais federais e a redução da dívida na proporção do PIB, que, ao cair para 49,3%, levou os analistas a concluir que o governo considerou em seus cálculos uma expansão de 5% do PIB em 2006, mesmo tendo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, afirmado que a taxa no cálculo foi a de 3%, como consta no último relatório de inflação.

Para Miguel Daoud, sócio da Global Financial Advisor, fica claro que o governo superestimou a expansão do PIB porque, tomando como base o valor da dívida líquida, de R$ 1,047 trilhão, o porcentual de 49,3% na proporção do PIB eleva o total da economia para R$ 2,124 trilhões em 2006, que, se comparados com o R$ 1,937 trilhão de 2005, mostra expansão de 5%.

A economista-chefe da Mellon Global, Solange Srour, pondera que o governo usa, para efeito de cálculo do superávit primário, a taxa de crescimento nominal do PIB e não a real. ¿Não vejo nenhum problema nisso¿, disse ela, que destaca também o desempenho acima do esperado das estatais.

¿Mas é aí que está o problema¿, afirmou Daoud. Para ele, se o governo usa o PIB nominal para calcular o superávit, os resultados saem distorcidos, já que o desembolso para pagamento da dívida é real, não nominal. ¿Continuo achando que são critérios que distorcem as informações. Peguemos como exemplo os desembolsos para pagamento da dívida. Estamos falando de 49,3% do PIB e isso é real, não tem nada de nominal¿, contestou Daoud.

A economista-chefe do BES Investimento, Sandra Utsumi, limita-se a dizer que em algum momento o governo terá de explicar às agências de classificação de risco os superávits primários acima das expectativas.

¿Quanto à forma de o governo contabilizar o primário, do ponto de vista do resultado, é positivo, mas, para que o País conquiste o investment grade, algumas coisas terão que ser explicadas¿, disse ela, acrescentando que a taxa de arrecadação tem sido cada vez menor.

Quanto às estatais federais, o superávit de R$ 2,883 bilhões causou estranheza porque veio muito acima da mais otimista das previsões, que apontavam para R$ 1 bilhão, ante déficit efetivo em novembro de R$ 715 milhões. Para Sandra Utsumi, o governo tem transferido resultados das estatais para o Tesouro para cobrir pagamento de juros, o que reduz a capacidade de investimentos destas empresas.

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