Título: A conta salário
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2006, Notas e Informações, p. A3

Neste governo, aos grandes anúncios de políticas públicas costumam se seguir medidas tímidas, demoradas e em geral incompletas, quando não a inação total. O que irrita particularmente o cidadão que anseia por providências das autoridades para melhorar sua vida é quando medidas sensatas, e muitas vezes de implementação relativamente simples, acabam vindo estropiadas e com atraso. O que acaba de acontecer com a promessa do governo de dar ao correntista a liberdade de escolher o banco pelo qual deseja receber seu salário é um exemplo do jeito lulista de governar. Prevista para vigorar a partir de 2 de janeiro, a medida teve sua vigência adiada, em alguns casos para 2012, e tem muitas exceções.

Na campanha eleitoral, o governo anunciou um pacote para aumentar a concorrência entre os bancos e reduzir os custos das operações bancárias e os juros dos empréstimos. O objetivo delas era dar ao correntista maiores facilidades para escolher a instituição com a qual pretende operar. Por pressão dos bancos, porém, o conjunto de medidas aprovadas em setembro ficou muito menor do que havia sido planejado pelo governo.

Entre as mudanças aprovadas, estava justamente a facilidade para a transferência da conta salário de uma instituição financeira para outra, livremente escolhida pelo correntista. A medida foi saudada de maneira grandiloqüente pelo governo. Tratava-se, disse na época o ministro da Fazenda, Guido Mantega, de uma medida ¿revolucionária¿, porque ¿estamos cortando o cordão umbilical que liga o correntista involuntariamente a uma instituição financeira¿. Apesar dos exageros do ministro, é, de fato, uma medida importante.

A liberdade de mudança da conta não agrada aos bancos, que, por isso, não facilitam essa operação. Em condições normais, o correntista enfrenta muitas barreiras para mudar de banco, como a necessidade de refazer seu cadastro na instituição onde abrirá sua conta e as exigências para encerrar seu relacionamento com outra.

Se puder transferir mais facilmente e sem custos sua conta de um banco para outro, o cliente terá maior poder para negociar com o gerente as tarifas, as disponibilidades de crédito e os custos dos financiamentos, entre outros itens. A redução de tarifas, por exemplo, pode ter um efeito importante para as finanças do correntista. São muitas as tarifas cobradas pelos bancos, como renovação cadastral, manutenção da conta, renovação de cheque especial, fornecimento de talão de cheques acima de um mínimo, manutenção de cartão de débito, emissão de extratos e saques em terminais eletrônicos. Com tarifas exorbitantes, os bancos vêm engordando seus lucros.

Mas, mais uma vez demonstrando pouca resistência a pressões - novamente dos bancos e, agora, de um grupo de governadores eleitos -, o Conselho Monetário Nacional, ou seja, o governo, reduziu o âmbito das mudanças. Elas não entrarão em vigor em 2 de janeiro, mas só três meses depois, em 2 de abril. E não serão aplicáveis a todos os bancos e correntistas.

A facilidade só será desfrutada pelos trabalhadores de empresas privadas que firmaram convênios com bancos para pagamento da folha de salários depois do dia 5 de setembro último. Para as que assinaram o convênio antes dessa data, a mudança só valerá a partir de 2 de janeiro de 2009. Para os funcionários públicos, a liberdade de mudar a conta salário só vigorará a partir de 2012.

Todos os bancos tiveram tempo para se preparar para as mudanças aprovadas em setembro. Mas, mesmo assim, o governo resolveu ¿dar maior prazo de adaptação¿ para os bancos e para as empresas, como disse o ministro da Fazenda.

No caso do setor público, a explicação foi a de que, com o prazo de cinco anos para manter a conta, os bancos privados estarão mais interessados nos leilões - que geram uma receita extra - para o pagamento das folhas de pessoal de Estados e municípios. O adiamento foi pedido por alguns governadores eleitos.

Para o governo Lula, entre aliviar a situação de bancos ou políticos e facilitar a vida dos cidadãos, a escolha é simples.