Título: Forças do governo entram em Mogadíscio após fuga de milícia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2006, Internacional, p. A8

Tropas do governo interino somali, apoiadas por forças etíopes, marcharam ontem em triunfo pelas ruas de Mogadíscio, horas depois de a milícia União das Cortes Islâmicas ter abandonado a capital - que havia capturado em junho. O líder da milícia, xeque Sharif Ahmed, disse que a retirada foi tática, para evitar derramamento de sangue, e ressaltou que continua determinado a expulsar as forças etíopes. Segundo Ahmed, cujas forças recuaram para a cidade portuária de Kismayo, Mogadíscio voltou a mergulhar no caos.

O primeiro-ministro somali, Mohamed Ali Gedi, confirmou a entrada de suas tropas em Mogadíscio após um encontro com líderes de clãs na vizinha cidade de Afgoye. Ele disse que amanhã o Parlamento vai impor a lei marcial no país por três meses para ¿evitar a anarquia¿.

¿Agora estamos coordenando nossas forças para consolidar o controle de Mogadíscio¿, disse Gedi, enquanto forças de clãs locais ocupavam o porto, o aeroporto e o palácio presidencial. Gedi foi saudado em Afgoye por dezenas de líderes tradicionais e centenas de soldados do governo e da vizinha Etiópia, que há cerca de dez dias vêm combatendo a milícia islâmica. Apesar do apoio ao governo interino, a maioria dos somalis não gosta dos etíopes, os vizinhos cristãos com quem o país majoritariamente muçulmano já viveu vários conflitos.

A retirada da milícia islâmica na madrugada de ontem foi seguida por saques cometidos por membros de clãs, trazendo à memória o caos que tomava conta de Mogadíscio antes da chegada da União das Cortes Islâmicas, que impôs a sharia (lei islâmica) nas cidades capturadas. Pelo menos cinco pessoas morreram ontem nos saques e tiroteios em várias partes da capital.

Muitos saudaram a chegada das tropas do governo, mas a maioria da população estava aterrorizada com a fuga daqueles que, segundo os moradores, haviam conseguido levar a segurança a Mogadíscio. ¿Vivemos em paz durante os últimos seis meses. Creio que o inferno começará agora e os assassinatos serão retomados¿, disse Hassim Jeele Hassan, morador de Medina, no sul de Mogadíscio. ¿As Cortes Islâmicas haviam trazido segurança e as pessoas se sentiam em paz pela primeira vez em 15 anos. Tudo isso acabou e agora voltarão os senhores da guerra.¿ Desde o início da guerra civil, em 1991, até junho, Mogadíscio foi governada por grupos rivais de senhores da guerra que chantageavam e aterrorizavam a população.

O governo e seus aliados etíopes prometeram ontem trazer a ordem a Mogadíscio. Mas, agora, os clãs podem voltar aos combates entre si e rejeitar a autoridade do governo. Por causa dos confrontos entre clãs rivais, o país não tem um governo efetivo desde 1991, quando os senhores da guerra depuseram o ditador Siad Barre, que havia tomado o poder em um golpe militar em 1969. Mais de 300 mil pessoas morreram nos 15 anos de guerra civil. Dois anos atrás, a ONU ajudou a estabelecer o governo interino. Enquanto os líderes islâmicos tentaram unir os clãs em torno deles, o governo foi enfraquecido pelas rivalidades dos senhores da guerra.

A tomada de Mogadíscio pelas tropas governamentais ocorreu dez dias após a milícia islâmica tentar tomar a sede do governo em Baidoa, 250 quilômetros a oeste da capital, levando a Etiópia a anunciar oficialmente sua intervenção no conflito somali. O primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi, prometeu ontem derrotar as Cortes Islâmicas - acusadas por ele e pelos EUA de ter ligações com a Al-Qaeda -, dizendo esperar que os combates sejam encerrados ¿em dias ou em poucas semanas¿. Não ficou claro se as forças etíopes deixarão a Somália após o fim dos combates.