Título: Humanismo Ecológico
Autor: Graziano, Xico
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

Existe contradição entre desenvolvimento e meio ambiente? Aqui está a questão fundamental do século 21. No passado, a ideologia do progresso subordinou a natureza ao crescimento econômico. Hoje, com as mudanças climáticas, a nave Terra dá seu troco.

Foi José Lutzenberger, no Brasil, quem melhor utilizou o conceito da ¿nave finita¿ para denunciar a dilapidação dos recursos naturais. No Manifesto Ecológico, publicado em 1976, o agrônomo gaúcho afirmava que o homem, promotor do crescimento desenfreado, carregava consigo o germe da destruição.

O ecologismo, quando surgiu, opôs-se ao paradigma econômico que dominava tanto o capitalismo quanto o comunismo. Nada distinguia os crimes ambientais cometidos pelos Estados Unidos dos provocados pela antiga União Soviética. Ambos os regimes eram ¿produtivistas¿. Segundo os marxistas, o avanço das forças produtivas se justificava em nome do proletariado. Opor-se era coisa da burguesia.

Já os liberais veneram o lucro, motor da competição empresarial. Restringi-lo, como querem os ambientalistas, soava a heresia. Na época da guerra fria, políticos da direita diziam que os ecologistas eram como melancia: verdes por fora, vermelhos por dentro. Ora, nem esquerda nem direita entenderam direito o surgimento do movimento ecológico.

Na Idade Média, as trevas do sobrenatural comandavam o mundo. Após o Iluminismo, surge o método científico e se valoriza a racionalidade, contra o desígnio divino. Nasce assim o Humanismo, doutrina que coloca o homem no centro do Universo. Acaba o feudalismo, começa o mercantilismo.

Séculos se passam. Surge a industrialização. Explode o crescimento populacional. A tecnologia avança extraordinariamente. Já no século 20, o antropocentrismo derrapa na prepotência. Se, no passado obscurantista, o homem não apitava nada e tudo era impingido por forças superiores, com o desenvolvimento tecnológico se imaginou, ao contrário, que o homem tudo poderia. Humanismo mais tecnologia resultou na ¿religião do progresso¿. Um equívoco atroz.

A História ajuda a entender o presente. Os índios não eram preservacionistas, nem poderiam ter pensamento ecológico. Mas o avanço da tecnologia e o crescimento populacional geram forte pressão sobre os recursos naturais do planeta. Assim, a degradação ambiental passa a constituir um sério problema para a humanidade.

O efeito estufa, uma verdade inconveniente, segundo Al Gore, é simbólico para causar um despertar definitivo, talvez a última chance. Nenhuma ideologia, nenhum sistema, nenhuma religião tem sido capaz de enfrentar o dilema da sobrevivência humana. Chegou a hora de formular novo conceito, um humanismo ecológico. A razão, sim; a ciência, sim; a arrogância, não.

O senhor da razão precisa tomar umas pílulas de humildade e mudar sua postura, suas atitudes, suas ações ante os dilemas expostos pela natureza. E não adianta dourar essa pílula: sem reduzir a pressão populacional não se vence essa batalha. Na tarefa de salvar a Terra, convencer a Igreja a aderir ao controle da natalidade é imprescindível.

Um grande desafio do humanismo ecológico será vencer o raciocínio banal, dualista, que cria polaridades e favorece o beco sem saída. Ora, no estudo da ecologia se aprende que a simbiose é uma relação entre seres vivos em que prevalecem vantagens mútuas. Ao contrário da predação, quando uma espécie se sobrepõe a outra, na simbiose ambos ganham. A complementaridade substitui a subordinação.

Em qualquer ramo de atividade, urbano ou rural, a grande tarefa é saber incorporar a dimensão ambiental no seio da produção, resumindo as duas equações numa só. Isso exigirá inteligência e desprendimento capazes de vencer dualismos e negar oposições. Trata-se de somar forças, unir conceitos, quebrar paradigmas.

Discute-se o impacto ambiental das grandes obras no País. O raciocínio bestial, apimentado pela política, novamente cria falsa polaridade. Produzir energia ou preservar a biodiversidade. Ora, os dois ao mesmo tempo. Técnicos da matéria dispõem de conhecimento para saber mitigar os efeitos danosos das intervenções ao meio ambiente, sem comprometer o futuro. O licenciamento ambiental pode ser rígido, e também mais rápido. O resto é incompetência da burocracia. Ou, então, o velho esquema de criar dificuldades para vender facilidades.

Na agropecuária, em que se questiona principalmente a produção de soja e de carne bovina na Amazônia, ou a produção será sustentável, ou não valerá a pena semear. Nem sequer, logo mais, haverá mercado. Ao contrário de desmatar, carece agora recompor o desflorestamento estúpido realizado no passado. É crucial, também, a conservação do solo e dos recursos hídricos.

Passou a época de discutir se preserva ou produz. Há que produzir conservando.

Namorando a Terra é o título de um notável livro de René Dumond. Nele, o francês proclama sua confiança na capacidade de recuperação ambiental da Terra. O livro é, ao mesmo tempo, conforme reconhece o autor, doce e amargo. Ele aposta na superação do dilema entre o homem e o meio ambiente.

Essa convergência, entre a ecologia e a antropologia, virá em duas frentes. Por um lado, o ambientalismo, após sua fase romântica, procurando resultados concretos. De outro, o produtivismo aprendendo, na marra, que o progresso não pode ser uma promissória contra o futuro.

Basta investir na educação ambiental.