Título: Ambientalistas ameaçam o desenvolvimento?
Autor: Goldemberg, José
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

Está-se tornando popular na área federal responsabilizar a legislação ambiental pelo atraso de inúmeras obras de infra-estrutura, o que impediria o crescimento econômico do País. Esta visão dos problemas não tem base na realidade. Se a legislação ambiental impede a economia do País de crescer a uma taxa superior a 3%, como se explica que não tenha impedido o Estado de São Paulo de crescer mais de 6% ao ano nos últimos anos?

Discussão semelhante ocorreu nos Estados Unidos cerca de 30 anos atrás, quando o Congresso norte-americano aprovou a legislação sobre o ¿ar limpo¿, que impunha um controle severo das emissões de poluentes pelas indústrias. O argumento usado era o de que os gastos necessários para a redução das emissões de poluentes poderiam ser mais bem utilizados, produzindo mais, e que as restrições ambientais acabariam arruinando aquele país. Isso não só não aconteceu, como a melhoria da qualidade do ar e da água tornou os Estados Unidos mais prósperos.

Os danos causados pela industrialização ocorrida durante o século 20, baseada no uso de combustíveis fósseis, são reais, mas o que aprendemos nas últimas décadas é que eles podem ser evitados ou reduzidos consideravelmente. Isso é o que fazem os órgãos de proteção ambiental do mundo todo, e também aqui, no Brasil.

O problema é que freqüentemente não é fácil analisar o que são danos significativos e como reduzi-los ou evitá-los. O que a experiência mostra é que existem extremistas de dois tipos envolvidos nestas questões:

Os que tentam promover empreendimentos indiscriminadamente e aos menores custos. Danos ambientais são uma conseqüência inevitável, já que o crescimento econômico e o desenvolvimento são considerados prioridades absolutas. Esta era a situação no Brasil em meados do século passado e ainda é a situação vigente na China.

Os ambientalistas extremados, para os quais qualquer agressão ao meio ambiente, mesmo que pequena, deve ser evitada. Vivem eles longe da realidade, não admitindo, por exemplo, que o combate à pobreza exige energia, que tem de ser gerada de alguma forma. Neste processo, alguns grupos sociais podem ser atingidos e pode haver também degradação ambiental, mas é preciso comparar os benefícios que a energia pode trazer a grandes populações nas cidades com os custos sociais e ambientais que decorrem da sua geração.

Encontrar um meio-termo aceitável entre dois extremos é a tarefa de órgãos ambientais competentes que decidam sem paixões.

O governo federal tem falhado muito a esse respeito; o Ibama é mal aparelhado, altamente politizado e tem greves freqüentes. Além disso, muitos empreendedores não entenderam ainda que é necessário preparar melhores projetos, que avaliem adequadamente os impactos e proponham medidas para minimizá-los. Esta combinação de problemas abre caminho para a ação do Ministério Público e para o uso de manobras jurídicas por parte de grupos interessados que, às vezes, criam obstáculos à aprovação de projetos, por mais necessários que sejam.

O presidente da República, que hoje se queixa de que o licenciamento ambiental está travando o desenvolvimento, teve quatro anos para melhorar o desempenho do Ibama, e não o fez.

Só para dar um exemplo, o licenciamento de usinas hidrelétricas no Rio Madeira e em outros rios da Amazônia encontra objeções que parecem exageradas a muitos especialistas que tenham experiência real nesse assunto.

Em outros casos, ambientalistas como o biólogo John Lovelock - criador da exótica e controvertida ¿hipótese Gaia¿, que compara o globo terrestre a um enorme sistema com o comportamento de seres vivos - se convertem em defensores da energia nuclear por considerá-la uma opção melhor do que o uso de combustíveis fósseis para gerar eletricidade. Sucede que ambos estes processos geram sérios problemas ambientais e de segurança. Lovelock apaixonou-se pela opção nuclear possivelmente sem compreender os problemas técnicos e políticos decorrentes dela. Curiosamente, o mesmo Lovelock se opõe ao uso de energia dos ventos, porque perturbaria a paisagens da região rural idílica em que vive, na Inglaterra. A energia dos ventos hoje supre 20% de toda a energia elétrica usada na Dinamarca.

O que estes exemplos mostram é que o movimento ambientalista, de modo geral bem-intencionado, sofre às vezes de falta de preparo técnico e de uma compreensão real do processo de desenvolvimento que o mundo atravessa desde o início da era industrial. Combater o processo - que é, às vezes, predatório, como a própria criação de cidades - os coloca na posição de Dom Quixote combatendo os moinhos de vento.

Por outro lado, o que outros países aprenderam, e nós estamos aprendendo também, é que o desenvolvimento não é incompatível com a preservação do meio ambiente, e que voltar a uma sociedade rural, idílica, em que não se perturbava a natureza, como nos pintam alguns, tem uma forte componente de saudosismo de um tipo de vida que nunca existiu, exceto talvez para uns poucos aristocratas.

Conciliar o desenvolvimento com a preservação ambiental é possível, desde que os ambientalistas sejam ponderados e que os empreendedores entendam que os dias de intervenções brutas na natureza em nome do progresso não existem mais. Cabe ao Estado garantir que isso aconteça.