Título: Agora, Ségolène quer unir esquerda para enfrentar Sarkozy
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/11/2006, Internacional, p. A24
Em seu primeiro pronunciamento oficial como candidata do Partido Socialista à presidência da França, a ex-ministra e deputada Ségolène Royal, de 52 anos, valeu-se de sua ampla vitória nas primárias de quinta-feira - quando obteve mais de 60% da preferência dos militantes - para se lançar ao seu mais imediato desafio: unir o partido sem abandonar os projetos reformistas que o dividiram nas discussões internas. Em um apelo aos militantes feito na manhã de ontem em Deux-Sèvres, sua região de origem, a candidata garantiu espaço aos derrotados das prévias e os conclamou a conquistar o voto dos franceses em maio de 2007.
¿Quero unir toda a esquerda e todos os franceses em um mesmo desejo de construir o futuro¿, declarou. ¿Vamos subir juntos a montanha até a vitória¿, acrescentou. ¿Vamos imaginar juntos uma França que terá coragem de encarar mudanças sem abandonar seu ideal de liberdade, igualdade e fraternidade.¿
Ségolène pediu o apoio integral dos simpatizantes de seus adversários nas prévias, o ex-ministro da Economia Dominique Strauss-Kahn, de 57 anos, e o ex-primeiro-ministro Laurent Fabius, de 60. ¿Nós não devemos ter medo de idéias novas. Devemos trazê-las para a vida cotidiana do povo francês¿, declarou a candidata.
Pouco antes, Strauss-Kahn e Fabius, em pronunciamentos separados, haviam admitido a vitória da primeira mulher candidata à presidência pelo Partido Socialista na história francesa. Os dois deixaram de lado as críticas ácidas que permearam a campanha interna, em nome do desejo de vencer a direita.
De acordo com as primeiras sondagens de opinião, a disputa com o provável candidato conservador, Nicolas Sarkozy - atual ministro do Interior e presidente da coligação União por um Movimento Popular (UMP) - deverá ser voto a voto. ¿Ségolène terá o apoio de todos os socialistas. E eu estou, evidentemente, a postos¿, disse Fabius. Na mesma linha, Strauss-Kahn garantiu: ¿Todos estaremos com Ségolène contra a direita.¿
A atitude dos dois pré-candidatos derrotados veio depois das declarações de François Hollande, primeiro-secretário do partido e marido de Ségolène, afirmando que todos os ¿tenores¿ do PS terão lugar na campanha para a presidência. Ainda assim, o silêncio de um dos protagonistas do partido na última década, o ex-primeiro-ministro Lionel Jospin, foi sentido. Jospin, assim como o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, deixou transparecer durante a campanha para as primárias que gostaria que fosse escolhido qualquer candidato, menos Ségolène.
A aversão de Jospin, derrotado no primeiro turno da eleição presidencial de 2002 - quando ficou atrás do atual presidente, Jacques Chirac, e do ultradireitista Jean-Marie Le Pen -, deve-se em parte às restrições que líderes históricos do Partido Socialista mantêm em relação ao programa de governo da candidata.
Acusada de ser adepta da Terceira Via idealizada pelo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, Ségolène não defende abertamente algumas das bandeiras do partido, como a jornada de trabalho de 35 horas. Ela promete ainda abrir a economia, a educação e a pesquisa à influência internacional.
No discurso de ontem, a candidata reafirmou: ¿Continuando fiéis a nós mesmos, poderemos resistir aos maus ventos do liberalismo sem lei e ao mesmo tempo agarrar as oportunidades da globalização.¿
As primárias Realizadas entre a tarde e a noite de quinta-feira, as prévias do PS tiveram participação histórica, com 82% de presença dos militantes aptos a votar - o equivalente a 180,5 mil filiados. Ségolène foi designada com 60,65% das preferências. Mesmo com um desempenho abaixo de sua própria média nacional em Paris, onde ganhou com 47% dos votos, a ex-ministra manteve sua penetração no interior e venceu em 98 dos 100 departamentos nos quais a França se divide.
Strauss-Kahn, de perfil social-democrata, teve 20,69%. Laurent Fabius, que chefiou o gabinete nos anos 80, durante a presidência de François Mitterrand e personalizava o discurso socialista tradicional do PS, alcançou 18,6% do total.
A grande diferença de votos sobre seus rivais valeu à vencedora o imediato reconhecimento da opinião pública e da mídia francesas. No editorial de sua edição de fim de semana, Le Monde destacou a ex-ministra como a pessoa certa para a disputa presidencial do próximo ano. ¿Os socialistas expressaram um forte desejo de renovação¿, assinalou o jornal, que reconheceu o desejo dos militantes do PS de romper ¿com a velha casa socialista¿.
Ontem mesmo, depois de cumprimentar Ségolène pela vitória, Sarkozy já a desafiou para um debate. ¿Estou maravilhado porque ela é uma pessoa de qualidade, e tenho certeza de que após o debate os franceses estarão bem informados a respeito da escolha que terão de fazer¿, disse ele.