Título: Regras básicas no mundo árabe
Autor: Friedman, Thomas L.
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2006, Internacional, p. A11

Por muito tempo, permiti que minha esperança de um desfecho decente no Iraque triunfasse sobre o que aprendi cobrindo a guerra civil do Líbano. Essa esperança se desvaneceu no segundo trimestre. Por isso, gostaria de oferecer ao presidente George W. Bush minhas regras atualizadas de cobertura do Oriente Médio, que se aplicam à diplomacia, esperando que o ajudem a imaginar o que fazer no Iraque.

Regra 1: O que as pessoas dizem privadamente no Oriente Médio é irrelevante. O que importa é o que defenderão em público em sua própria língua. Em Washington, autoridades mentem em público e dizem a verdade off the record (com o compromisso do jornalista de não publicar). No Oriente Médio, autoridades dizem o que acreditam em público e dizem em privado aquilo que você quer ouvir.

Regra 2: Qualquer jornalista ou oficial do Exército que deseje servir no Iraque deveria se submeter a um teste de única pergunta: ¿Você acha que a distância mais curta entre dois pontos é uma linha reta?¿ Se responder sim, não pode ir para o Iraque.

Regra 3: Se você não consegue explicar alguma coisa a habitantes do Oriente Médio com uma teoria conspiratória, então nem tente explicá-la - eles não acreditarão.

Regra 4: Nunca aceite uma concessão, exceto se saída da boca de quem a está fazendo. Se eu recebesse US$ 1 toda vez que alguém concordou em reconhecer Israel em nome do histórico líder palestino Yasser Arafat, poderia forrar minhas paredes.

Regra 5: Nunca comece sua reportagem sobre Líbano, Gaza ou Iraque com um cessar-fogo; ele sempre terá acabado antes de o jornal sair no dia seguinte.

Regra 6: No Oriente Médio, os extremistas vão até o fim e os moderados tendem a apenas seguir no ritmo de sempre. Regra 7: A expressão mais usada por políticos árabes moderados é: ¿Nós estávamos prestes a enfrentar os maus sujeitos quando seus estúpidos americanos fizeram essa coisa estúpida. Se eles não tivessem feito essa coisa estúpida, nós teríamos enfrentado, mas agora é tarde demais. A culpa é toda sua por serem tão estúpidos.¿

Regra 8: Guerras civis no mundo árabe raramente dizem respeito a idéias - como liberalismo versus comunismo. Elas dizem respeito a qual tribo está governando. Por isso, sim, o Iraque está tendo uma guerra civil como tivemos a nossa. Mas não há nenhum Abraham Lincoln nela. É o Sul contra o Sul.

Regra 9: No Oriente Médio, a política tribal é raramente um ambiente feliz. Quando um lado enfraquece, ele lhe dirá, ¿Estou fraco, como poderia fazer um acordo?¿ E quando está forte, ele lhe dirá, ¿Estou forte, por que deveria fazer um acordo?¿

Regra 10: Guerras civis na região terminam em uma de três maneiras: a) como a americana, com um lado vencendo o outro; b) como a do Chipre, com uma partilha dura e um muro dividindo as partes; e c) como a do Líbano, com partilha flexível sob um punho de ferro (Síria) que mantém todos na linha. Saddam era o punho de ferro no Iraque. Agora somos nós. Se não quisermos fazer esse papel, a guerra civil no Iraque terminará com A ou B.

Regra 11: A emoção mais subestimada em política árabe é a humilhação. O conflito árabe-israelense, por exemplo, não envolve só fronteiras. A mera existência de Israel é uma humilhação aos muçulmanos, que não entendem como, se eles têm a religião superior, Israel pode ser tão poderoso. O editor da Al-Jazira, Ahmed Sheikh, disse isso melhor: ¿É um tormento para pessoas do Oriente Médio que um país tão pequeno como Israel, com 7 milhões de habitantes, possa derrotar a nação árabe, com 350 milhões. O problema palestino está nos genes de todo árabe. O problema do Ocidente é que não compreende isso.¿

Regra 12: Assim, os israelenses sempre vencerão e os palestinos sempre cuidarão de que eles nunca desfrutem da vitória. Todo o resto é apenas comentário.

Regra 13: Nossa maior prioridade é a democracia, mas a dos árabes é ¿justiça¿. As tribos árabes em guerra quase constante são todas almas que foram realmente feridas por potências coloniais, assentamentos judaicos em terra palestina, reis e ditadores árabes, e, sobretudo, por cada outra. Para a maioria xiita que sofreu abusos por tanto tempo no Iraque, a democracia é antes de mais nada um veículo para obter justiça. O mesmo vale para os curdos. Para a minoria sunita, é um veículo de injustiça. Para nós, democracia diz respeito, sobretudo, à proteção dos direitos das minorias. Para eles, diz respeito primeiramente a consolidar direitos da maioria e obter justiça.

Regra 14: O historiador libanês Kamal Salibi expressou bem: ¿Grandes potências não deveriam jamais se envolver na política de tribos pequenas.¿ Regra 15: Seja a paz árabe-israelense ou a democracia no Iraque, você não pode desejá-la mais que eles.