Título: Pais ensinam que corpo deve ser corrigido, diz especialista
Autor: Iwasso, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2006, Vida&, p. A14

Argumentos biológicos e detalhes cirúrgicos à parte, o fato de adolescentes a partir dos 14 anos se submeterem a uma lipoaspiração para modificar algumas imperfeições, na maioria das vezes muito pequenas, fortalece a idéia, característica do mundo atual, de que o corpo é um projeto a ser construído, modificado e que sempre estará imperfeito. Esta é a opinião da psicóloga Jane Felipe, coordenadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um núcleo de estudo que se dedica a pesquisar a relação que existe entre o corpo e os estímulos socioculturais.

¿No corpo de hoje está sempre faltando alguma coisa. Vivemos uma época de pretensa liberdade, mas cada vez estamos mais aprisionados em um corpo idealizado. Se as mulheres compram essa idéia, e correm atrás disso, e sofrem por isso, imagina como é na cabeça das meninas, que já vivem a insegurança que é lidar com o corpo em desenvolvimento na adolescência¿, afirma.

A psicóloga explica que ao crescer com essa imagem de que, por não estar igual à modelo da capa da revista, que além de tudo teve a imagem corrigida por computador antes de ser publicada, as adolescentes perdem a confiança nelas mesmas, crescem sem se aceitar e projetam no corpo um ideal a ser alcançado. ¿Temos hoje o corpo como projeto, não mais como herança. Há atualmente uma urgência em ter esse corpo perfeito e os resultados têm de ser alcançados rapidamente. Por isso tantas cirurgias, tantos tratamentos milagrosos, e até mesmo tantos distúrbios alimentares¿, conclui.

Segundo ela, o crescimento das cirurgias plásticas e a redução da idade com que são feitas, como lipoaspiração em adolescentes, são parte de uma realidade maior. ¿Veja quantos salões de beleza temos. Em todos os bairros, em algumas ruas existe mais de um. E não é só quem tem dinheiro que segue essa busca. São todas as mulheres, de todas as classes.¿

A psicóloga clínica especializada em crianças e adolescentes Maria Clara Whitaker, explica que o fato de os pais promoverem esse tipo de comportamento estimula nos adolescentes a idéia de que os corpos que eles têm são errados, imperfeitos e que precisam ser corrigidos.

¿Isso tem um reflexo direto com a identidade, com a auto-imagem que essas meninas terão delas mesmas quando forem mulheres. As mensagens que a cultura e os pais transmitem é que o corpo delas precisa ser consertado, porque é ruim como está, porque ela não deve conviver com ele como ele é. Assim, a menina cresce pensando que é defeituosa¿, diz.

¿Como conseqüência, estamos transformando um medo e uma insegurança natural da idade num ciclo vicioso, no qual a pessoa vai ver defeito em tudo, vai querer mudar tudo, em busca de um padrão idealizado.¿ No futuro, essas adolescentes, segundo a psicóloga, serão as mulheres reféns dos lançamentos dermatológicos, das novas técnicas cirurgias e de qualquer outra promessa que possa modificar ou melhorar o corpo delas.