Título: Adolescentes recorrem a lipo
Autor: Iwasso, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2006, Vida&, p. A14

No País que só perde para os Estados Unidos em número de cirurgias plásticas e onde a lipoaspiração responde por mais da metade desses procedimentos, não ia demorar muito para a moda atingir adolescentes. Das 650 mil intervenções feitas no ano passado no País, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, cerca de 15% foram em jovens de 14 a 18 anos - quase o dobro do registrado em território americano.

Assim como entre os adultos, nessa faixa etária predominam nos consultórios pacientes do sexo feminino. As áreas mais procuradas para serem modeladas são barriga ou ancas, como os médicos chamam, quadril e coxas - apesar de parte das garotas optar pela chamada lipoescultura, que pode acabar mexendo também nos braços e nas costas.

No entanto, entre os especialistas, há quem não encontre problemas, quem faça com restrições e quem, como a própria Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, simplesmente não recomende, exceto em casos muito específicos. As jovens passam antes por avaliação de psicólogo, clínico, ginecologista e endocrinologista, por exemplo.

¿Quando eu estava com 14 anos, uns meses antes de começar a preparar a festa de 15, meu pai me perguntou se eu queria um carro ou uma lipoaspiração, que eu já estava pedindo fazia tempo. Aí preferi a lipo. Devo ser muito fresca¿, conta Ana Flávia, que fez a cirurgia no começo do mês passado, depois de a mãe, a tia e primas passarem pelo centro cirúrgico pelo mesmo motivo. Já a irmã, apenas um ano mais velha, está se preparando para colocar um implante de silicone nos seios - outro tipo de procedimento polêmico e pouco indicado para quem não está com o corpo totalmente formado.

¿Sempre usei calça jeans muito baixa e marcou meu corpo, ficou feio demais, aquele pneuzinho aparecendo dos lados. Ia para spa nas férias e nem assim emagrecia. Hoje, com a lipo, é muito mais fácil. Foi a melhor coisa que eu fiz na vida¿, conta. Ela diz que faltavam seis meses para a festa - tempo insuficiente para entrar no ¿vestido perfeito¿. Na época, ela estava com 74 quilos para seus 1,63 metro de altura.

Esses pneuzinhos que se formam quando as meninas usam calças jeans muito justas e com cinturas muito baixas têm provocado um aumento nos consultórios e mudado o local mais desejado para fazer uma lipo, de acordo com o cirurgião plástico Raul Gonzales.

¿Fiz um levantamento com meus pacientes. Até os anos 90, a maioria das mulheres era um pouco mais velha e queria fazer no culote. Nos últimos anos, com a moda das calças justas e de cintura baixa, o lugar mais pedido são as ancas, esses pneus em torno da barriga, e cerca de 30% das minhas clientes têm até 18 anos¿, explica.

PAPEL DA FAMÍLIA Para o pai de Ana Flávia, que prefere não se identificar, o risco do procedimento cirúrgico existe, mas, no entendimento dele, existiria também da mesma maneira se ela estivesse dirigindo um automóvel. Apesar de não ter 18 anos, ele diz que não veria problemas no fato de dar um carro para a garota, porque eles moram ¿em Ribeirão Preto, no interior, onde não tem tanto problema dirigir um carro sem habilitação¿.

A reação dele é comum entre pais de meninas que se submetem à lipoaspiração. Geralmente, eles apóiam, financiam e guardam segredo sobre a cirurgia, que as garotas preferem esconder do resto da família e, principalmente, dos amigos. ¿São questões de gordura localizada, até porque a lipoaspiração não é recomendada para quem está muito acima do peso. Elas são magras, mas costumam ter um excesso na barriga ou quadril, nas ancas. Para algumas meninas, isso se torna um problema gigantesco, ela fica retraída, não quer ir à praia, não quer sair¿, afirma o cirurgião plástico Wagner Montenegro, que diz ter registrado neste ano um aumento de 20% no número de adolescentes que o procuram em seu consultório para fazer lipo e está escrevendo um livro sobre esse tipo de intervenção em jovens.

¿A partir dos 14 anos, começa a mudar a distribuição de gordura pelo corpo. Algumas meninas continuam com corpo de criança, mas outras, após a menstruação, já estão desenvolvidas. Nesses casos, após uma avaliação criteriosa, e com muito cuidado, sem excessos, é possível fazer¿, diz o cirurgião.

Bárbara, de 15 anos, conta que se encaixa nesse último caso, segundo seu médico, e por isso pôde tirar cerca de três litros de gordura do corpo. ¿Era bem magra quando criança. Depois dos 10 anos comecei a engordar, virei a menina gordinha da escola, comia demais. Falei para a minha mãe e pro meu pai. Ela topou mais fácil e foi comigo a um médico. Ele pediu vários exames e viu que meu corpo não ia mais mudar muito. Depois, foi só convencer o meu pai, que estava um pouco contra.¿

Ela diz que optou por fazer nas costas, nos braços, barriga, quadril e coxas, a parte de onde mais tirou. ¿O pós-operatório foi bom. Depois de uma semana já estava andando no shopping. Doeu bastante, fica inchado, com hematoma, mais até do que eu imaginava. Mas usei a cinta, fiz tudo o que a médica mandou. E, como eu era muito nova, nos primeiros dias ela ficou me ligando direto, para ver se estava tudo bem¿, diz.

PALIATIVO O problema é que, apesar de tentar entrar na linha para manter a nova forma, à base de uma alimentação equilibrada e ginástica, Bárbara conta que já engordou alguns quilos. ¿Uns dois quilos e meio, mas ainda estou melhor do que estava antes.¿

Carolina Cameli, de 17 anos, uma das poucas garotas que assumem sem problemas ter feito a cirurgia, fez uma lipoaspiração no abdômen e no culote há um ano, e sente agora a dificuldade de manter o peso e mudar hábitos de vida para não precisar recorrer a uma cirurgia outras vezes.

¿Nunca tinha pensado em fazer, sempre foi uma coisa distante. Aí emagreci um pouco, vi que algumas coisas não estavam legais, conversei com meu tio que é cirurgião plástico e decidi fazer¿, diz. Mas, um ano depois, deu uma aumentada no peso de novo. ¿Engordei uns três quilos, mas meu corpo tá mais legal agora, tenho certeza de que foi bom ter feito.¿

¿Precisamos orientar, analisar. Não vejo problema em fazer lipo em adolescentes que já tenham o desenvolvimento completo do corpo, mas se eles não mudarem seus hábitos, não entenderem que aquilo pode ser um empurrão pra mudar de vida e passar a cuidar do corpo e da saúde, não adianta nada¿, diz a cirurgiã plástica Luciana Pepino.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Osvaldo Ribeiro Saldanha, o procedimento é polêmico e exige cuidado. Ele afirma que a lipoaspiração deve ser feita, sem restrições de idade, a partir dos 18 anos. Em alguns casos, em pacientes cujos corpos estejam mais desenvolvidos, é aceitável a partir dos 17 anos. Abaixo disso, apenas em situações excepcionais.

¿Em primeiro lugar, é preciso entender que lipo é uma cirurgia como qualquer outra. Exige os mesmos cuidados, implica nos mesmos riscos, nem mais nem menos, e requer os mesmos exames pré-operatórios. Outra coisa é que ela deve ser feita depois do amadurecimento do corpo. Por isso, em alguns casos, a partir dos 17 anos não vejo problema. Agora, está mesmo havendo um aumento de adolescentes, elas estão ficando independentes mais jovens, valorizando demais a aparência, é uma situação real¿, afirma.

E complementa: ¿Mas, mesmo assim, abaixo dos 17 anos, deve ser feita apenas numa situação bastante excepcional, uma patologia, com indicação de outro médico, com acompanhamento, discussão¿.