Título: O recuo do Congresso e o desenvolvimento
Autor: Nóbrega, Mailson da
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2006, Economia, p. B4

O recuo do Congresso na decisão de duplicar os seus subsídios é a mais recente conquista da opinião pública, que certamente influenciou o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), contrário à forma utilizada pelos parlamentares. O adiamento do assunto para a próxima legislatura foi apenas o caminho para salvar a face. O desfecho tem a ver com o desenvolvimento do País.

Essa conclusão vale apenas para quem, como eu, acredita que o desenvolvimento sustentável do Brasil depende doravante da conjugação da democracia com uma economia orientada pelo mercado. Ela não faz sentido para quem ainda crê no Estado desenvolvimentista e na ação voluntarista sobre os juros e o câmbio.

O desenvolvimento é um fenômeno complexo. O investimento, a tecnologia, a educação e os ganhos de produtividade são suas principais molas. Reunir esses fatores de forma satisfatória depende das instituições, nestas incluídas as crenças da sociedade.

No Brasil, as instituições costumam ser vistas apenas pelo ângulo político, mas elas são muito mais do que isso. Instituições, segundo Douglass North, são as regras do jogo, formais e informais. Constituem as restrições que moldam a interação humana e estruturam incentivos para ações de natureza política, social ou econômica.

Os países ricos, sem exceção, devem seu êxito em grande parte às instituições. Discute-se hoje se elas foram criadas porque existiam certas precondições - como uma população bem educada - ou se o enriquecimento teria decorrido da evolução institucional.

Seja como for, as instituições contam, especialmente porque restringem o arbítrio e evitam mudanças de regras ao talante dos governantes da hora. Na origem da ascensão da Inglaterra ao status de potência estão as mudanças institucionais provocadas pela Revolução Gloriosa (1688), que puseram fim ao absolutismo do rei.

Muitos fatores explicam o advento da Revolução Industrial no século seguinte, mas valeram a previsibilidade e a segurança jurídica derivadas daquelas mudanças, que eliminaram incertezas e criaram o ambiente propício ao investimento privado, à inovação e à exploração das oportunidades de negócios.

North também realçou a importância das crenças. Elas nos permitem entender e aceitar as regras que formam as instituições. Determinam nossas escolhas e preferências. Influenciam a evolução institucional e contribuem para formar e preservar o ambiente favorável ao desenvolvimento.

As crenças podem gerar visões distintas sobre uma mesma realidade. A história está repleta de desastres resultantes de crenças equivocadas, como foram os casos do populismo econômico na América Latina e as experiências do autoritarismo socialista em várias partes do mundo, particularmente no Leste Europeu e na China.

Nas sociedades que enriqueceram, as crenças contribuíram para o funcionamento adequado dos mercados e para a geração de bem-estar. As que fracassaram são aquelas nas quais as crenças tomaram outra direção.

Um paralelo pode ser feito com as crenças médicas do princípio do século 19, que faziam uso de provocadores de vômito, purgantes e sangrias. A evolução da medicina levou ao abandono dessas práticas, ao aumento da longevidade e à melhoria da saúde.

A vitória contra a elevação dos subsídios dos parlamentares demonstrou que professamos novas crenças, rejeitando a idéia de que deputados e senadores legislem em causa própria de forma tão indecorosa. A associação dessas crenças a uma mídia independente assegurou a mobilização da sociedade contra a medida.

Outro exemplo notável de mudança de crenças é a visão da sociedade brasileira sobre a inflação, que passou da leniência à intolerância. As novas crenças se associaram à ampliação do eleitorado (o voto do analfabeto), com o que as escolhas passaram a ser feitas pela maioria, nesta incluídos os pobres. Essa nova realidade por certo contribuiu para que Lula se tornasse um intransigente defensor da estabilidade de preços e o impediu de atender os desejos de companheiros que pregavam uma guinada na política econômica.

Nossas crenças ainda têm muito a evoluir. Precisamos ficar mais intolerantes à corrupção e absorver melhor a idéia de que a economia de mercado e as reformas que a reforçam constituem a saída para voltarmos a crescer muito e de forma sustentada.