Título: Balança Brasil-China ameaça virar
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2006, Economia, p. B8

O efeito China na economia brasileira, que jogou para cima as cotações das commodities, fez despencar os preços dos produtos industrializados no mercado doméstico, engordou o saldo da balança comercial e contribuiu para o ajuste das contas externas, está chegando ao fim.

O comércio entre Brasil e China deve ficar desfavorável para o País já no ano que vem, com importações de produtos chineses superando as exportações brasileiras. A previsão é de que o saldo comercial entre os dois países feche este ano abaixo de US$ 1 bilhão, 40% menor que o de 2005. Até 2009, há quem aposte que a China supere os Estados Unidos como grande fornecedor do Brasil.

¿No curto prazo, o efeito China foi ótimo; tirou o País do desajuste das contas externas. Mas, no longo prazo, vai dar dor de cabeça¿, afirma o diretor da RC Consultores, Fábio Silveira.

Em 2002, o Brasil exportou US$ 2,5 bilhões para a China. A estimativa do economista é de que este ano feche em US$ 8,6 bilhões, mais que o triplo de quatro anos atrás e 26% mais que em 2005. A maioria dos produtos exportados são commodities, como soja em grão, minério de ferro e petróleo, entre outros.

A entrada da China no mercado como compradora de commodities consolidou a posição do Brasil como grande fornecedor de produtos básicos, diz o economista. Esse modelo de crescimento baseado nas commodities, que são produtos de baixo valor agregado e, portanto, não criam grande número de empregos, é inadequado para o Brasil no longo prazo, afirma Silveira. Isso porque o desemprego no País ainda é elevado e há necessidade de absorção de mão-de-obra.

Essa é uma parte da dor de cabeça. A outra parte é o avanço das importações de produtos chineses e o impacto sobre a indústria local. As importações de produtos chineses devem encerrar este ano em US$ 7,7 bilhões, 45% mais que em 2005 e uma cifra cinco vezes maior que quatro anos atrás.

Em 2006, produtos ligados ao setor de informática e telefonia celular lideraram as compras externas. De janeiro a outubro, as importações em valor de máquinas automáticas para processamento de dados e partes e acessórios também para máquinas destinadas a processamento de dados cresceram 91,5% e 69,2%, respectivamente, ante o mesmo período de 2005, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. No caso de aparelhos de telefonia celular, o aumento foi de 56,7% no período.

Nas contas do economista da MB Associados Sergio Vale, as importações de produtos chineses devem superar as exportações e o saldo comercial será negativo em 2007. ¿Até 2009 poderemos ter uma mudança de padrão histórico, com a China superando os Estados Unidos como o maior fornecedor de produtos para o Brasil.¿

MONTADORAS

Até hoje, diz Vale, o efeito China na economia brasileira foi bom, mas o quadro começa a mudar. Com a aceleração das importações, muitas indústrias são forçadas a se tornarem montadoras para competir com produtos chineses.

Para a economista-chefe do ABN Amro, Zeina Latif, o efeito macroeconômico da China na economia brasileira foi favorável, mas o impacto microeconômico, isto é, nas empresas, nem tanto. Ela enfatiza que a China apenas aflorou uma competição artificial de alguns setores da indústria em que o Brasil não é bom por causa da elevada carga tributária, da alta despesa com transportes, entre outros fatores. ¿Em algum momento essa realidade iria acabar se impondo, não era sustentável.¿

Quanto à elevação dos preços das commodities, a escalada iria ocorrer de qualquer forma pelo próprio ciclo de crescimento da economia mundial, diz Zeina. ¿A China acentuou esse movimento.¿

Um índice de preços das commodities agrícolas e não agrícolas elaborado pela RC Consultores a partir dos preços em dólar de 13 produtos e ponderado pela importância desses itens na balança comercial mostra que nunca o indicador esteve tão elevado. Em novembro, fechou em 171,48 pontos, 71,48% acima do de janeiro de 1998, ano base para cálculo do indicador.

Uma análise do coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros, mostra que de janeiro de 2003 até o mês passado, o preço dos equipamentos eletrônicos em reais ao consumidor caiu 30%. Enquanto isso, as cotações no atacado do minério de ferro e dos itens de metalurgia dispararam: subiram cerca de 150% e 60%, respectivamente. ¿Não é possível dizer que esse movimento dos preços decorre só do efeito China¿, pondera. Ele ressalta que houve impacto do dólar no período.

De toda forma, uma nova alta preços das commodities, que favoreceu o Brasil engordando o saldo da balança comercial, é pouco provável que se repita, na opinião do economista da FGV.