Título: Greve fecha fronteira da Bolívia com Brasil
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2006, Internacional, p. A13
Uma greve geral de protesto contra o que a oposição qualifica de "conduta autoritária" do presidente boliviano, Evo Morales, paralisou ontem quatro dos nove departamentos da Bolívia. Foi o primeiro grande movimento de massas contra Evo desde que ele assumiu o poder, em janeiro.
Os organizadores da "greve cívica" de 24 horas se rebelam contra a atuação do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS), que, segundo a oposição, manobra para dar ao governo poderes quase absolutos na Assembléia Constituinte, eleita em 2 de julho e instalada em Sucre.
Como conseqüência da greve em Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, a fronteira da Bolívia com o Brasil e a Argentina foi fechada. Membros de comitês cívicos e trabalhadores desempregados da Bolívia bloquearam o tráfego de veículos na divisa com Corumbá (MS).
As quatro regiões juntas são responsáveis por 42% do PIB boliviano e concentram 85% das reservas de gás e petróleo do país. Também são os quatro departamentos nos quais venceu a opção "sim" no referendo sobre autonomia regional realizado paralelamente com a eleição da Assembléia Constituinte. Apesar do movimento de ontem, não foi registrada nenhuma mudança no fornecimento de gás para o Brasil.
A greve expõe a rivalidade entre os habitantes dos departamentos do Oriente - exatamente os quatro que fizeram a greve ontem - e os do Altiplano Boliviano. No Oriente, a maioria da população é branca, descendente dos colonizadores europeus. São conhecidos como "cambas". A população do Altiplano é majoritariamente indígena. São os "collas".
Evo qualificou a greve geral no Oriente de "conspiração da elite camba". Para o presidente, o movimento regional tem caráter separatista e é dirigido por partidos políticos que lhe fazem oposição, aos quais qualifica de "grupos oligárquicos da direita".
O histórico de paralisações na Bolívia nos últimos seis anos conta com protestos tão virulentos que derrubaram dois presidentes (ver arte ao lado). Desta vez, no entanto, é pouco provável que o resultado seja o mesmo. E o motivo é justamente Evo Morales. O grande mobilizador dos bolivianos de origem indígena, os "collas" - a maior parte da população -, é o atual presidente.
Embora não represente um perigo à continuidade da gestão do governo, a greve preocupa porque demonstra a força da oposição. "Temos de estar prontos para retomar a paralisação a qualquer momento e por tempo indeterminado", declarou ao Estado o porta-voz do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, Daniel Castro. "Não há nenhuma indicação de que o governo esteja disposto a um diálogo e teremos de forçá-lo a ceder pela pressão popular e pacífica."
Ainda ontem, o governo teve de administrar outra notícia ruim. O superintendente do setor de gás, petróleo e derivados, Santiago Berríos, renunciou depois de denunciar pressão para que nomeasse uma ativista do MAS para um alto cargo da superintendência.